A Sé do Porto é vista como um ponto de referência obrigatório para quem está de visita à cidade. Portuenses, turistas ou meros transeuntes não ficam indiferentes a este marco na Baixa. No entanto, junto ao Morro da Sé, encontra-se uma rua cuja reputação contrasta com o prestígio associado à catedral.

A Rua Escura, “famosa” pelo tráfico de droga e pela degradação dos seus edifícios, é, apesar de tudo, um bom lugar para viver. Os antigos moradores, por exemplo, não escondem o gosto pelo local. Glória de Sousa, 58 anos, de visita à rua, confessa que era aqui que “gostava de viver”. Nascida na Rua Escura, mora há já vinte anos em Campanhã, mas conserva as memórias de infância. “Nós vivíamos e comíamos nas casas umas das outras”, relembra. Maria João Mendes, de 37 anos, partilha do mesmo sentimento. Saiu há doze anos da freguesia da Sé, onde “nasceu e foi criada”. São estas “raízes” que a fazem querer voltar.

Maria Carvalho, mais conhecida por Maria Comunista, comerciante do Mercado de S. Sebastião, situado na Rua Escura, foi igualmente “nascida e criada” na mesma calçada. Há 70 anos ligada à Sé, conta que ainda encontra na rua “muita gente dos seus tempos”, “presa” ao local pelo gosto, pelas pessoas, pelo ambiente. Também com 70 anos, Veríssimo Oliveira mostra-se mais reticente. Embora goste de morar no centro da cidade, considera que o ambiente causado pelo tráfico de droga é “péssimo”.

“Enquanto houver droga, isto vai ficar cada vez pior”

Os problemas da rua não passam despercebidos a ninguém. A fama da zona tem vindo a piorar nos últimos anos e as pessoas vão-se afastando por receio do “ambiente”. Quem visita a Sé, por vezes não desce as escadas que conduzem à Rua Escura, pois “vê o ambiente e já não quer passar”, explica, com mágoa, Maria Comunista. É a droga que os afasta. “Enquanto houver, isto vai ficar cada vez pior”, lamenta.

Veríssimo Oliveira também fala do mesmo problema. Para o morador, se antigamente “se podia andar na rua com facilidade” de madrugada, agora, “depois das nove horas”, é raro aquele que arrisca. A única solução para travar o problema, dizem os moradores, passa pelo reforço do policiamento da rua. “Sem policiamento não vamos a lado nenhum!”, entende “a Comunista”.

Reabilitação Urbana

A degradação das casas é outro problema que afecta os moradores e fomenta a desertificação da rua. No entanto, os esforços de reabilitação da zona levados a cabo pela Câmara Municipal do Porto (CMP) têm gerado opiniões divergentes.

Para Veríssimo Oliveira, as medidas da autarquia para tentar colmatar a degradação habitacional “não trazem benefício nenhum para a Sé”, salienta. As rendas avultadas estão a afastar os típicos moradores da zona. “Não estão a preservar quem gosta de cá morar, mas [que] tem poucas possibilidades.”

A solução, acredita o morador, seria a CMP apoiar financeiramente os proprietários, que assim procederiam à reparação dos edifícios. “Os senhorios não têm dinheiro”, evidencia Veríssimo Oliveira.

“O meu bairro é lindo”

 

“É importante a vinda de mais lojas”

O caso é visto com outros olhos por Maria João Mendes. Apesar de também defender que é necessário reabilitar os edifícios para que a zona volte a atrair antigos moradores interessados em regressar, a comerciante e ex-moradora valoriza qualquer tipo de iniciativa para revitalizar o movimento da zona.

Assim, o projecto da Porto Vivo (Sociedade de Reabilitação Urbana) para a construção de uma residência universitária é, para Maria João Mendes, apesar de insuficiente, muito importante. Também Glória de Sousa louva a iniciativa. “Será bom trazer os jovens para a Sé.”

Mas, para além de atrair mais jovens para a zona, é igualmente “importante a vinda de mais lojas para a zona” declara Maria João Mendes, destacando a Attraction Store, recentemente aberta na Rua Escura, como bom exemplo de uma nova aposta de comércio. Este género de iniciativas honram a hospitalidade do povo da Sé, considera Sérgio Coelho, proprietário da nova loja, Sérgio Coelho.

Apesar dos problemas e da má reputação enfrentada pela Rua Escura, o poder da atracção do Morro da Sé vai muito para além da loja. O povo é unânime ao falar do espírito da Sé. “O meu bairro é lindo”, ouve-se, repetidamente.