O ambiente parecia sombrio e mágico, com um trago a cinematográfico quando, às 21h45 do dia três de Fevereiro, os Mão Morta davam início às “Noites do Rivoli”. A sala já cheia – embora não estivesse esgotada – recebia com entusiasmo a invasão de rostos cobertos por máscaras do cinema fantástico e de horror. O Rivoli viu-se invadido por personagens como o Alien, Hannibal Lecter e até a girafa que, segundo Adolfo Luxúria Canibal, (esta noite, no papel de Freddy Krueger) é a personagem de um dos “maiores filmes de terror de todos os tempos: o “África Minha”.

Estavam criadas as condições para um serão carregado de impacto visual e teatralidade, a que o público de Mão Morta já está bem habituado. O som de teclados começava por entoar as notas de “Tiago Capitão”, faixa do mais recente disco “Pesadelo em peluche”. Adolfo fazia uso das suas garras de Freddy Krueger e ia movendo-as lentamente, ao gesticular como que trespassando as vísceras do ar. O público olhava-o de forma atenta, à medida que se deixava levar pelo “capitão” Adolfo.

Seguiu-se “Ventos animais”, uma faixa de tom melancólico protagonizada pela voz vigorosa (do início ao fim) de Adolfo. Acompanhava-o uma “tripulação” de músicos compenetrados em fornecer um instrumental forte de fazer vibrar as cadeiras do teatro. Foi o caso. As guitarras de “Berlim” engrenavam a alta velocidade, por entre um jogo insano de luzes que parecia incendiar o recinto. A sonoridade consistente e brutal só tem descanso perto do fim, numa transição para que haja tempo de anunciar que “o muro está a cair” e terminar como que num sussurro.

Interacção total entre público e banda

Ainda que se tratasse de um espectáculo a assistir em lugares sentados, estabeleceu-se desde logo uma íntima ligação entre espectadores e banda. Adolfo Luxúria Canibal foi comunicando com um carisma e teatralidade muito próprios, num espectáculo dinâmico, em que a dificuldade foi mesmo o público manter-se quieto. “Temos mesmo de estar sentados?”, ouviu-se por entre a plateia.

De um conjunto de 18 músicas, várias tiveram reacções positivas mal se ouviam os primeiros acordes. Entre elas, estão um enérgico “E se depois”, o tom meio que cósmico de “Tu disseste”, o ritmado “Novelos de paixão”, o som impetuoso de “Cão da morte” e, ainda, a música mais trauteada pelos espectadores de concertos de Mão Morta: “1.º de Novembro”.

Destaque para o carácter provocante da performance da banda. Adolfo geme uma introdução ao tema “Seio esquerdo de R.P.”, em que a envolvência do instrumental se funde com a letra lasciva. “Até cair” oferece sons desvairados de guitarras, bateria e baixo que culminam num Adolfo descontrolado. Deixa-se cair no chão, livra-se da máscara e perde-se num “rodopio” orgásmico. Também, “Metalcarne” foi tocado pela terceira vez, sendo que a sua estreia se deu no concerto do Theatro Circo em Braga, em Dezembro do ano passado. A música baseada no livro de Ballard, que deu inspiração ao filme “Crash” de David Cronenberg, foi interpretada num dos encore que Mão Morta concederam ao Rivoli.

O teatro foi, assim, palco de um tremendo espectáculo em que o som, as luzes e imagens serviram de complemento a uma exibição de uns Mão Morta renovados. O público, à semelhança de uma selva de epilépticos, aderiu muito bem à presença da banda, que se mostrou capaz de, ao longo de anos de carreira, fazer algo que ainda consegue surpreender plateias.

As Noites do Rivoli continuam até dia 18 deste mês, com espectáculos de música, teatro e comédia, naquelas que são as noites de preparação para um dos mais aclamados festivais de cinema do norte: o Fantasporto.