“Tatuagem & Palimpsesto – da poesia em alguns poetas e poemas” foi a obra que fez com que o prémio de ensaio da Associação Portuguesa de Escritores (APE) fosse atribuído a Manuel Gusmão. “Por unanimidade”, foi como a instituição definiu a decisão. Nascido em 1945 e com uma carreira “multifacetada”, o também professor apenas começou a publicar poemas a partir dos anos 90, mas já leva um reconhecido “historial” que faz com que diga: “mais vale tarde do que nunca”.

Que significado tem, para si, receber esta distinção, tomada por unanimidade pelo júri da APE?

É um sinal de que, o meu trabalho, ao longo dos anos, tem valido alguma coisa.

O que é que os leitores podem encontrar na obra “Tatuagem & Palimpsesto”, que acaba por galardoá-lo?

A obra é constituída por um conjunto diversificado de ensaios sobre poesia, sobretudo. Uma parte mais teórica sobre o ensino da poesia e, depois, um ensaio, que se individualiza, sobre a poesia de Rimbaud. Depois tem uma série de textos sobre poesia portuguesa moderna e contemporânea, a partir de Cesário [Verde] e [Fernando] Pessoa. Depois disso vêm ensaios sobre Sophia [Andresen], Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Mário Cesariny, e acabo com poetas fugidos nos anos 60.

Ao longo dos anos, escreveu sobre obras de autores portugueses, mas também estrangeiros, como os franceses. Sobre os quais lhe dá mais prazer escrever?

Pode depender muito. Não é bem por serem portugueses ou estrangeiros que me dá mais prazer. Agora, é evidente que há textos que são difíceis de escrever e, por isso mesmo, dão-me bastante prazer quando consigo acertar, sejam portugueses, sejam franceses. Por exemplo, Rimbaud é um autor sobre quem tenho tido sempre prazer em escrever e falar, porque quando dava aulas de literatura francesa na Universidade, tinha de o fazer, e daí a razão por ter muitos ensaios sobre autores franceses, como também Francis Ponge, sobre quem fiz a tese de doutoramento.

Na sua opinião, a literatura portuguesa está de boa saúde?

Eu faria uma distinção entre poesia portuguesa e literatura portuguesa. A poesia portuguesa do século XX, penso que toda a gente concorda, está de bastante boa saúde. Embora se ponha a questão de saber se hoje, entre os jovens poetas, há aqueles que mantêm o nível que a tornaram com esta qualidade. Eu penso que sim, que os há. Tendo a olhar mais desconfiadamente, perdoe-se-me a expressão, para o romance. Acho que alguns dos grandes escritores portugueses de romance, deste século, são já autores que morreram ou que não têm escrito muito ultimamente. Entretanto, penso que há alguns grandes autores de ficção, ainda vivos e jovens. Há um menos jovem de que eu gosto muito, o Rui Nunes, e outro novo, que é o Gonçalo M. Tavares.

Apesar de antes já ter escrito alguns poemas, só a partir dos anos 90 começou a publicar poesia. Partilha daquele ditado popular “mais vale tarde do que nunca”?

(risos) Se valeu a pena começar a publicar tão tarde, terão que ser os outros a dizer. Mas só o comecei a fazer tão tarde, porque vivia obcecado por fazer um livro que fosse uma unidade, um projecto, que não fosse apenas uma sequência aleatória de poemas. Depois de 90 é que tenho vindo a publicar com alguma regularidade, mas não com muita pressa.

Já com um considerável número de obras, ainda existem coisas que quer alcançar e escrever?

Quero continuar a escrever, não porque quero ganhar mais prémios, mas porque acho que me devo, que devo às pessoas que gostam de ler, à língua portuguesa, à cultura portuguesa, e enquanto tiver autores sobre os quais ainda não tenha escrito aquilo que eu penso escrever, continuarei.

Professor, poeta, ensaísta… O que é que gosta mais de ser?

Nós somos um pouco da diversidade das coisas que fazemos. Eu sempre gostei muito de dar aulas, entretanto aposentei-me, mas participo, de vez em quando, em algumas sessões extraordinárias. Mas quando dava aulas, era na vida de professor universitário que tinha mais prazer, porque era o confronto com outros e o ver outros a crescerem. Ter a sensação, talvez enganada, talvez não, de que, comigo, alguma coisa teriam aprendido. Agora, isso sem a poesia e os ensaios, não sou capaz de imaginar.