António Fonseca é presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto (ABZHP). Numa altura em que a Baixa portuense renasceu e se assiste a uma animação noturna nunca antes vista, o responsável pela ABZHP faladas causas deste sucesso, das tendências da noite e de expectativas para o futuro. Além disso, responde às queixas dos habitantes e comerciantes da zona e aponta as soluções necessárias para os problemas existentes. Uma conversa sobre a noite do Porto feita de dia, mas bem no centro de toda a atividade, no emblemático café Piolho.

Ao longo dos últimos cinco anos, existiu um aumento exponencial de bares na zona histórica do Porto. Como se justifica esta tendência?

Ao longo dos últimos anos, as áreas da “movida” eram na Ribeira, na Foz ou na Boavista, e depois na Zona Industrial. Agora passou para a Baixa. A noite do Porto funciona muito por fenómenos. A Baixa começou em 2005 a ter o primeiro estabelecimento, o Bar Lusitano, na Rua José Falcão. Se começamos em 2005 com dois bares, agora temos um sem número de bares e, até ao final do ano, vão abrir mais sete espaços. Muitos dos bares que abriram nos últimos anos existem pela iniciativa de jovens empresários ligados às artes e alguns deles tinham a ajuda de empresários da “velha guarda”, que souberam aproveitar o fenómeno académico sem a necessidade de marketing.

Mais policiamento na zona dos Clérigos

Após o JPN ter entrevistado António Fonseca, a ABZHP promoveu uma conferência de imprensa para exigir a contratação de agentes da PSP para garantir a segurança na zona dos Clérigos, na Baixa do Porto. O abaixo-assinado que circula, atualmente, pelos moradores da zona, conta já com cerca de 350 assinaturas. Até à próxima semana, o objetivo é chegar aos 500 nomes, para que o documento seja entregue à Câmara Municipal do Porto, à ASAE e à PSP.

A noite da Baixa vai beneficiar com a reabilitação da Praça de Lisboa?

Sobre a Praça de Lisboa, confesso que tenho algumas dúvidas quanto às vantagens do projeto. Criar ali mais serviços de restauração e de bebidas é muito mais do mesmo. Eu defendo que tenha de haver muita oferta mas, acima de tudo, qualidade na oferta, sob pena de estragarmos todo este encanto com fenómenos como o botellón. Por outro lado, acho que a cidade, quer queiramos quer não, precisa de ter automóveis e então aquele espaço podia ser aproveitado para parqueamento ou algo relacionado com a universidade como, por exemplo, o Pólo Zero, que já está planeado.

Foi noticiado, no final de 2010, que muitos bares da Baixa não tinham licenças. Como está a situação atualmente?

Hoje em dia é mais fácil licenciar um bar. Só para ter uma ideia: nos últimos três anos têm-se licenciado mais bares do que nos últimos 30 anos.

Mas também abriram mais estabelecimentos…

Sim, mas havia espaços que estavam há 10 ou 15 anos para se licenciar. Atualmente, o licenciamento de um bar, à imagem da lei, demora cerca de dois meses. Mas quando existem entraves, como o Instituto de Gestão do Património Arquitectonico e Arqueológico (IGESPAR), a situação prolonga-se. E quando existem entidades que atrasam os processos é mau, porque os empresários já têm os espaços alugados e as rendas na zona estão muito altas. Uma loja que há três anos tinha uma renda de 300 euros, agora está nos 3000. Atualmente há uma especulação em torno das rendas o que, conjugado com a burocracia, obriga os empresários a abrir sem licenças . De qualquer forma, têm os processos em andamento.

Já existem movimentos de moradores da zona dos Clérigos contra o crescente movimento nocturno. Qual é a solução para os problemas causados pela “movida”?

O problema está relacionado com os planeamentos. As coisas no Porto têm crescido de uma forma ad hoc, ou seja, as iniciativas privadas e as entidades fecham os olhos durante um certo período e depois, quando começa a incomodar, vem a chamada ‘caça às bruxas’. Por exemplo, quando nasceram os primeiros espaços na Ribeira, já lá existiam moradores. Curiosamente, nessa altura, começaram a reabilitar casas com quartos por cima de estabelecimentos licenciados. Na Baixa está a acontecer a mesma coisa. Desta forma, o problema pode vir aqui a acontecer e com maior dimensão. Ou se acautelam as pessoas que vão morar para esses sítios sobre a zona em questão ou corremos o risco de ter de reduzir os horários dos bares, tal como já está a acontecer em Leça.

Não acha que deve existir um certo equilibrio entre o lazer e a promoção à habitação nesta zona histórica ?

O equilíbrio tem de ser procurado com cedências de parte a parte. Ter gente na Baixa também é bom, mesmo só através da animação. Há certas pessoas que não vão à Baixa porque afirmam estar deserta! Há horas do dia em que ruas como a Cândido dos Reis ou Galerias de Paris estão desertas e com os espaços fechados. Devia haver maior dinâmica nesta zona turística. Não é possível conceder uma licença a um espaço em que o prédio é para habitação, o que não está a acontecer, porque grande parte dos prédios alugam as lojas para bares. A habitação na Baixa passa pela aposta nos jovens, através de uma boa política de arrendamento. Se queremos pessoas na Baixa temos de criar essas mesmas condições. Só desta forma é que teremos uma população residente fixa e, também, uma população flutuante por um período mais dilatado. A co-habitação é possível desde que haja vontade política, evitando a procura de bodes expiatórios.

Mas havia pessoas na Baixa antes de surgir a “movida”…

As pessoas que já moravam andam descontentes, mais pelo vandalismo e pelo ruído causado. É isto que está a incomodar os poucos moradores da zona da Baixa, como também é uma realidade para os hóspedes dos hotéis. Para prevenir esse tipo de situações é importante que as autoridades competentes andem em cima destas pessoas que provocam vandalismo a troco de nada.

Qual seria a solução para combater este crescente vandalismo?

A solução passava por mais policiamento. Provavelmente teria de passar por uma lei que proibisse o uso de garrafas de vidro na rua. Da mesma forma que também compete à Câmara Municipal do Porto criar condições, nos dias de maior movimento, normalmente de quinta-feira a sábado, com a colocação de recipientes de lixo mais próximos destas áreas. Relativamente ao número de casas de banho existentes, devem proporcionar-se condições para que as pessoas que compram a bebida em determinado espaço possam utilizar as casas de banho do mesmo, o que nem sempre acontece aqui na Baixa. Há bares a vender para a rua à porta fechada, não permitindo o usufruto da casa de banho. Com uma fiscalização regular e a aplicação de penalizações aos estabelecimentos, o combate a este tipo de práticas seria mais eficaz.

A noite do Porto é conhecida por alguns casos de violência como a célebre “Noite Branca”. Num contexto de crescimento da zona da Baixa, não tem receio que incidentes do género se possam repetir?

Se me fizesse essa pergunta há dois anos, face ao cenário que se vivia na Baixa, eu ter-lhe-ia dito que não. Feita hoje, em outubro de 2011, tenho receio que não se consiga controlar este tipo de grupos que andam aí a aproveitar-se da “movida”. Se a polícia não estiver atenta, receio que possa acontecer algum incidente que ponha em causa todo o encanto e toda esta atração. Quando falo em receio, temo também pelos muitos empresários. Apesar disso e do alerta que a nossa associação tem feito, estou convencido que as forças policiais, na área do banditismo, está, hoje, muito mais preparada do que há uns anos.

A Câmara Municipal do Porto já mostrou alguma preocupação com estes casos?

À Camara Municipal do Porto já alertamos em 2009, 2010 e 2011, quer ao vereador da Juventude, do Ambiente e do Urbanismo, quer às actividades económicas. Estivemos em todas as frentes a dar o “derradeiro alerta”, não só em reuniões – uma delas com o anterior ministro Rui Pereira e com o secretário de Estado do Serviço da Administração Interna. Também nos fizemos ouvir junto da ASAE e da PSP. Portanto, se as coisas acontecerem, não foi por falta de aviso, o que é pena, porque estamos no terreno a acautelar a segurança das pessoas que passeiam na cidade para se divertirem e conviverem, não para se incomodarem seja com quem for.

Podemos dizer que a Câmara Municipal do Porto foi negligente?

Sim, podemos dizer que a Câmara Municipal do Porto é negligente e até tem prejudicado os empresários que cumprem todos os requisitos. Há muita gente a vender bebidas nas ruas até às 03h00 e os bares licenciados até as 04h00 só começam a encher às 03h30. Às 04h10 já são autuados em 2.500 euros, o que traz desagrado aos empresários. Se a Câmara Municipal do Porto fiscaliza os bares com licença até às 04h00, tem também de fechar aqueles que só têm licença até à meia-noite ou até às 02h00. Há negligência em relação a isso e à venda de rua: a polícia municipal passa e não faz nada.

O aumento da vida na Baixa significa a morte na Ribeira?

Não. A morte da Ribeira já aconteceu há 12 anos, não foi agora. A Ribeira era uma zona onde havia muita gente, mas também muitas confusões com os moradores. Eram espaços muito vivos que tinham ‘noite até de manha’. No entanto, a polícia começou a ir à Ribeira fechar os bares às 02h00. Quando as pessoas ainda estavam a começar a noite, a polícia aparecia para fechar a porta. E é nessa altura que surgem os primeiros espaços na Zona Industrial e a maior parte das festas académicas começaram a ser feitas nessa área.Temos é de ser realistas: a Ribeira não tem condições, neste momento, para ter bares, por duas razões: os moradores estão contra qualquer bar que esteja aberto e faça ruído e o conceito de bar não funciona naquela zona. A única coisa que funciona são restaurantes para turistas. Além disso, só podemos falar da ‘segunda-feira da Ribeira’, a ‘noite dos baldes’. Mas é só à segunda, à quarta já é noutros sítios. O Porto é assim, em termos de noite: nunca se conseguiu afirmar como uma cidade cosmopolita.

O condicionamento do trânsito afectará os bares que ainda operam na Ribeira?

Em zonas turísticas, obviamente que o turista não vai de carro. Mas é preciso acautelar as questões de acesso a pessoas com pouca mobilidade. Não é possível aparcamento naquela zona, mas é preciso criar espaços de estacionamento perto, não só para os habitantes mas, também, para que os restaurantes consigam ter clientes no inverno. O encerramento do trânsito tem de ser feito de forma cirúrgica, com anestesias locais.