É jornalista da RTP desde 1997. É diferente ser-se jornalista numa estação pública e numa estação privada por causa exigências de cada estação?

Não das exigências da própria estação. É mais das exigências do público que são absolutamente compreensíveis, entenda-se. Como a RTP está na esfera do estado e é financiada através da taxa de audiovisual e indiretamente dos impostos (porque há uma indemnização compensatória que é atribuída anualmente à RTP), a maior parte das pessoas sente-se dona da RTP. A RTP é muito mais escrutinada pelo público do que qualquer outro operador privado. Um pequeno lapso na RTP atinge dimensões e proporções que, às vezes, me espantam, confesso. Mas eu compreendo isso. O que me irrita é quando nós fazemos o melhor e muitas vezes fazemos o melhor e fazemos bem e mesmo assim somos alvo de crítica. Portanto, respondendo à sua pergunta, é mais difícil ser jornalista na RTP do que ser jornalista num operador privado de televisão.

Mário Crespo disse recentemente no fecho de um jornal seu que “passou mais um dia e a RTP custou mais de um milhão de euros”. Foi um dos jornalistas da RTP que se mostrou mais indignado com essas declarações. Porquê?

O Mário Crespo naquele contexto é apresentador de um jornal de informação, não tem que estar ali a dar a opinião dele. Mais, o fecho do jornal não tinha nada a ver com a questão da RTP. Primeiro, ele não fez isto uma vez e quando eu manifestei a minha indignação foi quando o fez pela terceira ou quarta vez porque ele fez isto em dias consecutivos. Acho que é um ultraje e para além disso há outro dado que é absolutamente fundamental: não é verdade que a RTP custe um milhão de euros por dia. Eu apresentei-lhe, inclusive, o relatório de contas da RTP do ano passado. Postei-o numa rede social, pode ser que ele veja. Basta pegar naquilo e trabalhá-lo graficamente que já ilustra aos espectadores uma realidade diferente.

A sua indignação tem a ver com a mentira?

Mais a ver com a mentira do que outra coisa, porque o jornalismo não pode compadecer-se com a mentira em circunstância nenhuma. Portanto, desse ponto de vista não faz nenhum sentido.

A RTP, serviço público de televisão em Portugal, é necessária para a salvaguarda da democracia

Faz sentido para Portugal privatizar a RTP?

Eu não conheço nenhum país que não tenha serviço público de televisão. O único país que tem serviço público de uma forma ligeiramente diferente é o Luxemburgo, que tem uma realidade muito diferente da nossa. Aquilo que me parece evidente é que a RTP, serviço público de televisão em Portugal, é necessária para a salvaguarda, em última instância, da democracia. Em primeira instância da equidade informativa e do distanciamento entre as partes. Desde que surgiram os canais privados de televisão tem-se provado e mostrado à evidência que, em algumas circunstâncias, se não houver um canal que é equidistante das partes e mantém o distanciamento, pode haver a tendência de um determinado canal se encostar a um determinado lado da história e outro canal a outro lado da história. Eu estou-me a lembrar, por exemplo, de umas famosas eleições no Benfica em que os candidatos eram o Manuel Vilarinho e o Vale e Azevedo e entre os operadores privados um era claramente pró Manuel Vilarinho e outro pró Vale e Azevedo ao ponto de não convidarem sequer o candidato concorrente para ir à sua antena. Num cenário em que não exista algum canal que assegure este equilíbrio, nós podemos começar a descambar. Desse ponto de vista, acho que não faz sentido não existir serviço público de televisão. Podemos discutir como o fazer mas isso é outra questão.

Também é uma ameaça para os trabalhadores.

Mas isso ser uma ameaça para os trabalhadores também é uma ameaça para os trabalhadores do privado. Não é por aí. No foco da discussão deve estar a questão faz ou não faz falta ao país.