No primeiro dia da conferência internacional “O Regresso do Jornalismo“, que decorre até domingo na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), em Lisboa, Paulo Moura, jornalista do Público e um dos organizadores, deu início ao evento incentivando a reflexão sobre o lugar do jornalismo na Internet e o seu financiamento.

Em contexto de crise no setor, para Paulo Moura, a questão fundamental é saber se o jornalismo será ou não necessário no futuro. Afirma que o jornalismo “não é um dado adquirido em parte nenhuma do mundo”, mas sim “algo frágil por natureza” e que, quando existe, é sempre uma “grande aventura motivada por pessoas teimosas e corajosas”.

Segundo Paulo Moura, “o jornalismo tem de regressar em força” e a Internet não pode ser pretexto para declarar o fim do jornalismo. O jornalista reafirma o papel de um jornalismo alicerçado nas novas formas de comunicação digital. “A Internet veio revolucionar a forma de contar histórias”, diz, alertando que há perigos e que “muita gente aproveita-se do contexto para pôr em causa o jornalismo porque ele não interessa a alguns”.

Como surgiu a conferência?

A ideia para a conferência “O Regresso do Jornalismo” surgiu a Paulo Moura e Catarina Fernandes Martins, na sequência de um evento semelhante, em Boston. Esta conferência de jornalismo narrativo, “Power of Narrative”, que nas últimas edições tem abordado o jornalismo digital, tem como diretor Mark Kramer, que também interveio nesta abertura de trabalhos.

O sucesso do “jornalismo narrativo”

Mark Kramer, um dos participantes na conferência (ver caixa), traçou a história do jornalismo digital nos Estados Unidos, abordando a evolução dos públicos e da publicidade, e, depois, referindo-se ao jornalismo no panorama atual, Kramer defendeu que este deve ser visto como uma ferramenta para contar histórias e que isso exige um narrador. É esse o papel do jornalista.

Na opinião de Mark Kramer, “quanto menos formal for a voz de quem conta a história, maior será o conjunto de factos e emoções tidos em consideração [pelo consumidor]”. O “jornalista-escritor” deu alguns exemplos de meios que têm vindo a adotar modelos de negócio virados para o jornalismo narrativo na Internet, que estão a ter sucesso, tornando rentáveis as atividades jornalísticas, concluindo que, independentemente do tipo de jornalismo praticado ou do modelo de negócio implementado, o jornalismo deve ser a “voz cívica”, isto é, a voz que os cidadãos usam como sua.

Seguiu-se Paulien Baker, jornalista e diretora da Iniciativa para Jornalismo Narrativo na Holanda, que promove o uso de não-ficção literária nos media holandeses. De uma forma breve, Baker defendeu igualmente o jornalismo narrativo, em detrimento da narração crua dos factos e acontecimentos, afirmando que “se [os jornalistas] quiserem que as pessoas leiam sobre qualquer tema, o melhor é escrevê-los na primeira pessoa”.

O que ainda está para vir

Até domingo, por entre palestras e debates, ainda passarão pela ESCS nomes como Borja Echevarría (El País), Travis Fox (ex-Washington Post) e Cândida Pinto e Jorge Pelicano (SIC).

“A pirâmide invertida já não faz sentido”

“Novas fronteiras do mundo online” foi o tema do painel inaugural. Amy O’Leary, jornalista multimédia e repórter no New York Times, apresentou uma visão de futuro que começa já no presente. Amy apresentou algumas das aplicações que os media americanos mais usam para dinamizar a apresentação dos conteúdos e atrair público. Estas apps representam uma mudança na forma tradicional de apresentar os factos.

Um dos exemplos é o “Circa”, que consiste numa técnica de redação que apresenta os factos noticiosos por tópicos e, posteriormente, os faz chegar ao leitor de acordo com as suas preferências. Outro dos exemplos apresentados foi a divisão noticiosa empreendida pela ABC News, que divide os seus conteúdos online em: breaking news (os exclusivos), as histórias mais incríveis do dia e o daily rewind (onde todas as notícias são apresentadas em vídeo, permitindo ao leitor que faça o seu próprio alinhamento de telejornal).

O novo paradigma do jornalismo digital leva Amy a afirmar que “a pirâmide invertida já não faz sentido” e que devia existir uma forma mais estandardizada de escrever para a Internet. “O móvel está a mudar os hábitos de leitura. As pessoas estão a ler coisas diferentes e em diferentes alturas”, afirma a norte-americana, que considera necessário envolver as pessoas para ser mais fácil captar a sua atenção. Essa envolvência pode levar ao jornalismo de cidadania potenciado pelas redes sociais.

A revolução digital do jornalismo traz novas questões acerca das plataformas e conteúdos jornalísticos. “Os novos media obrigam-te a preocupares-te com o que escreves e como é que escreves”, diz Amy, que também afirma que os meios de comunicação social começam a perceber que “as notícias importantes encontram o leitor” e começam a preocupar-se com a forma de apresentar a sua história. Uma busca pela diversidade de conteúdos que, para Amy O’Leary, tem de ultrapassar o texto. A multimédia não é “um acessório prescindível, mas sim, muitas das vezes, a melhor maneira de contar determinada história”.

Jornalismo vs Entretenimento

Amy O’Leary deu ênfase, a certa altura da sua intervenção, ao facto de os órgãos de comunicação social e os seus profissionais não terem sabido adaptar a sua linguagem à Internet. Uma das provas disso é o facto de sites como o Buzz Feed, que mistura informação e entretenimento, chegarem muito mais facilmente aos leitores e conseguirem impor-se no mercado dos media. Mas a entrada destes novos jogadores, não pode mudar o jogo: “Devemos continuar a apostar no que somos realmente bons: as notícias tradicionais, aliadas a bits de entretenimento, que viajam bem nos vários ecossistemas da Internet”.

A jornalista do NYT considera que o jornalismo compete pelo tempo e atenção do leitor, pelo que compete “com qualquer coisa que ocupe o seu tempo”, mas a sua maior arma continuará a ser o exclusivo, entregue de forma rigorosa e verdadeira com recurso aos novos meios. Para Amy, o futuro do jornalismo tem de ser o “poder previsível do agora”, ou seja, informação providenciada no exato momento em que se precisa dela.

O “Jornalismo Total”

Foi também a importância da verdade dos factos que marcou a intervenção de Adelino Gomes. O ex-jornalista do Público classificou o trabalho do jornalista como, essencialmente, “procura da verdade e, no fim, da apresentação da melhor versão de liberdade”. Adelino Gomes falou da responsabilidade social no jornalismo que, além da informação, tem a responsabilidade da formação. Além do relato dos factos, o jornalista é também um exemplo para os leitores. “Todos os passos que o jornalista dá são os passos que eu não posso dar porque não estou lá”, diz Adelino Gomes.

Acerca do novo paradigma digital do jornalismo, o veterano falou numa reinvenção que representa uma oportunidade para o meio se questionar acerca dos seus métodos e rotinas, ao mesmo tempo que procura responder aos novos desafios. Foi neste cruzamento entre o papel social do jornalista e os novos desafios da profissão que Adelino Gomes apresentou o conceito de “Jornalismo Total”: “Aquele que toca tudo e tudo faz”. Na essência: o repórter. “O repórter não pode ser só aquele que vê bem, tem de ser capaz de relatar acontecimentos e traduzir para os outros aquilo que vê e experiencia”, explica o ex-jornalista que, no atual contexto, também afirma que “o repórter é ou tem de ser toda uma redação”.

Mas a multiplicidade de tarefas e a velocidade de execução não podem ser inimigas do rigor e da verdade: “Nas notícias há tempos diferentes e são essas diferenças de tempo que nos fazem discutir o futuro do jornalismo”. Adelino Gomes apresentou o exemplo de Paulo Salopek, um jornalista que se propôs a viajar a pé pelo mundo durante sete anos em busca de histórias desconhecidas e registá-las em texto, fotos e vídeo, como exemplo da persistência da busca pelos factos, ao mesmo tempo que se adapta aos novos meios. “Um dos erros dos old media foi terem começado demasiado tarde a perceber a importância da multimédia. Hoje é altura de saudar as mudanças que têm ocorrido”, concluiu.