Os portugueses viajam cada vez menos. É esta a conclusão do inquérito realizado pela EasyJet em 2013, noticiado pelo jornal Público, em que mais de metade dos inquiridos admite possuir um orçamento de viagens reduzido face ao ano anterior. Os hábitos de viagem dos portugueses alteraram-se com a crise: 17,4% optam por fazer menos férias, 47,3% dos inquiridos viaja apenas uma vez por ano e 16% admite não viajar de todo.

Nos 28 países que constituem a União Europeia, Portugal é penúltimo – apenas à frente da Bulgária – enquanto país de viajantes. Ainda assim, é possível encontrar pelo mundo histórias de sucesso de portugueses que abraçaram um estilo de vida isento ao bolso roto, não fosse nele o dinheiro algo acessório: o “mochileiro”.

O que é a Dromomania?

Dromomania é um termo que deriva do grego “dromos” (correr) e “mania” (insanidade), que descreve a necessidade incontrolável de vaguear e deambular. Conhecida como a “Doença dos Viajantes”, foi inicialmente ligada ao campo da psicologia e associada a outras doenças como distúrbios de personalidade ou automatismo ambulatório. Hoje em dia, é frequentemente utilizada para descrever pessoas que têm um apelo emocional constante para estarem constantemente a viajar e a experimentar novos lugares.

“Era isso que queria fazer na minha vida: viajar pelo Mundo”

Quirino Tomás é um desses casos. A sua vontade de viajar despoletou aos 14 anos, quando acompanhou a irmã num interrail. “Aí foi plantada em mim uma semente que despontou na altura da faculdade. Tudo correu sempre bem e a experiência foi de tal modo enriquecedora que percebi que era isso que queria fazer na minha vida: viajar pelo Mundo”.

Hoje, já passou por mais de 25 países, distribuídos entre Europa e Ásia, sendo a maior das suas estadias uma experiência de três meses e meio na China. “Dormir numa montanha com trabalhadores humildes da construção e viajar durante 15 dias no país com um nativo em que a única maneira de comunicar era com recurso às traduções de um smartphone” foram dois dos momentos que mais o marcaram e que Quirino vai registando no seu site.

Em relação ao atual contexto de crise económica, Quirino considera que os portugueses perderam a capacidade de sonhar. “Estamos acomodados, tacanhos e amorfos e não conseguimos ver que há mais vida fora do défice, da crise e da nossa pequenez”, acrescentando que “na maioria dos casos as pessoas investem em coisas ocas e vazias como bens materiais. A viagem pode ser um investimento de sensações, experiências, aprendizagens, desafios, aventuras e o retorno que traz é algo que nunca um bem material trará”.

“Quando voltei já não era a mesma pessoa”

Foi o que Jorge Vassallo pensou há dez anos, quando deixou o seu emprego numa agência de publicidade. “Foi o resultado de um longo processo, que de certa forma, começou com os meus interrails nos anos 90. Decidi largar o emprego, vender o carro e deixar a casa que tinha alugado. A ideia era viajar durante um ano e depois assentar outra vez mas quando voltei já não era a mesma pessoa”, explica.

Atualmente, Jorge trabalha como líder de viagens na agência Nomad mas dedica-se igualmente à escrita. Para além de possuir um blogue, o livro “Até onde vais com 1000 euros?” foi redigido juntamente com o amigo Carlos Carneiro: “Pegámos em duas bicicletas e saímos de Lisboa para o Sul, rumo a África, e fomos até Dakar, no Senegal”. Confessa-se “absolutamente dromomaníaco” e os cerca de 65 países pelos quais já deambulou são prova disso mesmo. O preferido? “Sem dúvida a Índia. Fui muitas vezes e por longas temporadas, é a minha segunda casa, tenho grandes amigos e sei que vou sempre voltar”.

Em relação à alteração nos hábitos de viagem dos portugueses, Jorge, por dentro do negócio, admite que “a resposta imediata seria que sim, mas o facto é que me cruzo cada vez com mais portugueses por aí. Se calhar a crise afeta mais as agências tradicionais e aqueles que viajam em excursão. Quanto a mochileiros, cada vez encontro mais”, resumindo que existe já até uma “comunidade informal” de mochileiros portugueses, “pessoas que se cruzam por aí e que comunicam através de blogues”.

“Voltei a Inglaterra, despedi-me e parti em viagem”

Pedro On The Road, epíteto de António Pedro Moreira, viajou pela primeira vez na companhia dos pais tinha 13 anos. Desde então foi acumulando viagens até 2009, ano em que partiu para a Índia. “Em Goa fui parar a uma visita e dei por mim num grupo de mais de vinte pessoas e eu era o que viajava há menos tempo. Estava a viajar há duas semanas e a seguir a mim, a que estava em viagem há menos tempo, estava há cinco meses. Aí pensei: são apenas pessoas e se eles podem, eu também posso. Voltei a Inglaterra, despedi-me e parti em viagem”, partilha.

Uma viagem que durou nove meses e meio, vinte mil quilómetros percorridos por terra, 314 boleias e que ficou retratada no livro “Daqui Ali“. Entre os vários episódios, Pedro recorda quando no Irão, depois duma boleia com dois homens que não falavam uma frase de inglês, acabou a partilhar um bidão de vodka caseira e uma Fanta lima, no meio das montanhas. “Passei a noite num quarto num estábulo, com vários cavalos. Vieram para aí vinte amigos ver a novidade que era o europeu, isto numa vila com cinquenta pessoas. No dia a seguir, deram-me boleia para a estação de autocarros, o equivalente a dez euros e uma pulseirinha que hoje ainda trago”, partilha entre risos.

Pedro, agora em cima da sua bicicleta, partiu de Vale de Cambra e encontra-se a meio de nova viagem com destino à África do Sul. Sobre a crise ser desculpa para os portugueses viajarem menos, Pedro é direto: “Quando fui para a Ásia, queria gastar dez euros por dia. Tive 284 dias em viagem e gastei onze. Agora em África, estou a pensar gastar entre 15 a 20. Ás vezes as pessoas dizem que não podem viajar porque não têm dinheiro. Pensam que viajar é algo que custa dez mil euros ou assim. Sempre posso dizer que três mil euros não é dinheiro que se encontre aí em qualquer lado mas também não é assim nenhuma fortuna”.