Henrique Calisto, Rui Vitória, Pedro Emanuel, Nuno Espírito Santo e Domingos Paciência. Coube a Luís Freitas Lobo assumir o papel de moderador na conversa destes cinco treinadores, na mesa redonda “Olhar o Mundo através do Futebol”, no segundo dia do X Congresso de Futebol do Instituto Superior da Maia (ISMAI), esta quinta-feira.

O comentador desportivo começou por lançar o mote da conversa, referindo-se às “faltas de referência” no futebol português e à facilidade com que, atualmente, são avançados nomes para a Seleção Nacional, após um ou dois jogos mais bem conseguidos. “Cristiano Ronaldo está muito acima, disparou para uma galáxia muito distante do futebol português e eleva a Seleção para resultados que, se calhar, neste momento, estão muito longe da nossa realidade”, explica.

Freitas Lobo atirou ainda para o debate a formação em Portugal, onde deu o exemplo da seleção portuguesa que foi finalista do Mundial de sub-20, na Colômbia. “Não há nenhum jogador, praticamente, que esteja a jogar, neste momento, na primeira liga. Há o Cédric, que finalmente chegou ao Sporting, o Nélson Oliveira não encontrou espaço no Benfica, o Caetano saiu para o Gil Vicente, nenhum jogador saiu dali”.

“Nós fazemos o futebol de rua”

Em homenagem à Associação de Futebol do Porto, a tarde abriu com Lourenço Pinto, presidente da AFP, que levou em revista a história da maior associação de futebol em Portugal, com 35 a 40 mil atletas inscritos, 25 mil dos quais jovens. “Nós fazemos o futebol de rua”, explicou Lourenço Pinto, que destacou a evolução da descentralização da modalidade em Lisboa e a importância que teria uma aproximação dos três grandes clubes em Portugal.

“Olhando-se para o futebol, olha-se para o mundo”

O comentador deu então a palavra a Henrique Calisto. O treinador mais internacional do painel lançou duras críticas ao atual futebol português, considerando que a ausência de referências se alarga a todos os setores da sociedade, uma vez que o futebol é um espelho daquilo que se passa em Portugal. “Olhando-se para o futebol, olha-se para o mundo e eu não acredito muito na viabilidade do futebol português daqui a cinco anos”, explicou Calisto, referindo-se, a título de exemplo, ao “défice acumulado de mil milhões de euros nos clubes portugueses”.

“Qual é a vergonha de ser treinadores de juniores?”

Seguiu-se Rui Vitória, atual treinador do Vitória de Guimarães, num discurso mais otimista. “Todos nós fomos dizendo, ao longo do tempo, que a nova fornada não vai aparecer. Mas o que é certo é que nós vamos vendo sempre, aqui e ali, seleções sub-17, sub-20, a ter desempenhos relativamente positivos”. O treinador considerou ainda fundamental uma maior flexibilidade nos tempos de treino e uma formação específica de treinadores. “Qual é a vergonha de ser treinadores de juniores? Eu não tenho de estar a trabalhar nos juniores à espera de hoje, amanhã, estar a trabalhar nos seniores. Agora, tem de ser valorizada esta carreira, porque trabalhar com juvenis ou iniciados é uma arte”, explicou.

“Senti que não teria a sensibilidade para pegar numa equipa de sub-13”

Pedro Emanuel, atualmente a comandar o Arouca, confidenciou sobre o primeiro convite para treinador quando pendurou as chuteiras, nas camadas jovens do Futebol Clube do Porto. “Entregaram-me a equipa de sub-17, porque claramente senti que não teria a sensibilidade necessária que o Rui [Vitória] falou aqui, para pegar numa equipa de sub-12, sub-13”. Pedro Emanuel questionou ainda quantos “Quinteros” estão escondidos no futebol português e quantos deixaram de jogar futebol em Portugal devido à sua irreverência, por quererem “acrescentar algo ao jogo que eles têm” e que, muitas vezes, na formação em Portugal, deixa-se de contar com eles, porque não se consegue formatá-los.

Futebol portuense homenageado sem Pinto da Costa

A maior ausência do dia foi a do presidente do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, previsto para a mesa redonda “Experiências e Êxitos no Topo da Pirâmide”, ao lado de Lourenço Pinto. Uma vez que “proferir aquilo que gostaria de proferir seria incómodo para a justiça e para o próprio clube, o melhor, neste momento, foi remeter-se ao silêncio”, justificou José Neto. Pinto da Costa foi suspenso no início do mês de abril, devido a declarações sobre a atuação do árbitro Rui Silva, no jogo Estoril-FC Porto.

“Quando dizem que isto vai acabar fico um bocado assustado no que me fui meter”

A palavra passou para Nuno Espírito Santo, treinador do Rio Ave, que teve a intervenção mais curta da tarde. “Eu sou muito otimista. Quando dizem que isto vai acabar fico um bocado assustado no que eu me fui meter. O futebol português tem qualidade e nós vamos conseguir transformar isto numa indústria positiva”. Nuno Espírito Santo destacou a necessidade de o treinador ter tempo para criar uma identidade e ganhar com identidade: “Se eu for contratado para um clube e for para lá dizer que isto está mal, esse clube, primeiro, vai-me reduzir o meu contrato e, depois, não vou conseguir resolver o problema que ele tem”.

“Primeira reunião: ‘Os jogadores da formação turca não têm qualidade. Não aposte nesses'”

Domingos Paciência foi o último a intervir e abordou a sua mais recente experiência no futebol turco. “O mais importante é contratar jogadores com nome, isso, para eles, é uma religião e esses nomes têm que jogar”, afirmou, enquanto relembrava como a sua tentativa de apostar em jogadores jovens foi constantemente barrada. “Primeira reunião: ‘Os jogadores da formação turca não têm qualidade. Esqueça, não aposte nesses, não vale a pena'”. Domingos fez então uma ponte para o futebol português, “onde há jogadores tão bons ou melhores que não podem jogar, porque um jogador que custou 8 milhões tem de jogar”. “O jogador da formação não joga, porque tem de se mostrar o investimento que foi feito”, refere.

O X Congresso de Futebol terminou com as palavras do professor Manuel Sérgio, a propósito do futebol do futuro. Já antes da mesa redonda, o jornalista desportivo Fernando Correia foi distinguido pelo instituto.