Era o "homem dos jingles" mas deu muito mais do que música à Rádio Universitária do Porto. João Bonucci foi um dos fundadores do projeto. Estudante de Engenharia, teve de pôr mãos à obra para construir a Rádio que marcou a sua vida e a de tantos outros.

Se para contar a história da Rádio Universitária do Porto (RUP) é preciso um dossiê, para criá-la foi preciso bem mais. Quem nos conta etapa por etapa, é João Bonucci, um dos fundadores do projeto. Por telefone, recorda as chamadas da rádio, as músicas e todos os contratempos que implicam criar uma emissora pirata, feita por amadores para um nível profissional.

João Bonucci tinha a “paixão pela rádio” mas isso não era suficiente para criar a RUP. Quando o projeto começou a assumir contornos mais sérios, foi preciso aliarem-se à Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências para criar um departamento para rádio. Nesse ano “foram libertados alguns fundos para desenvolver, na universidade, uma espécie de rádio interna” mas a RUP acabou por ganhar muito mais alcance fora das paredes do edifício.

Com um emissor, um teto e pessoas empenhadas, a RUP foi ganhando voz

“Para montar um projeto que envolvesse não só o espírito universitário e uma voz na zona do Grande Porto vimos claramente que teríamos de ir para algo muito mais sério e que envolvia outro tipo de recursos”. Um emissor, um teto e pessoas empenhadas no projeto foram aparecendo à medida que a Rádio ganhava destaque e foi numa sala, no topo do edifício da Faculdade de Ciências, que encontrou o seu primeiro espaço. “Deu muito trabalho, principalmente para quem estuda e tem de efetuar estas coisas ao mesmo tempo e a 15 de fevereiro de 1986 fizemos a primeira emissão ao vivo, recordo-me de que estava presente o reitor da Universidade do Porto, o Dr. Alberto Amaral na altura, onde aconteceu uma entrevista como ponto de lançamento daquilo que foi, penso eu, a terceira ou quarta rádio «pirata» na zona do Porto”.

Uma rádio para a cidade

João Bonucci era um dos membros da direção e tinha também a “preocupação de difundir e de criar uma grelha de programação”, capaz de incluir alunos de todas as Faculdades do Porto e abraçar projetos inovadores.

Os programas da Rádio Universitária do Porto eram de “diversos géneros” e criaram “uma interligação muito interessante com muita gente da cidade e não só: universitários da própria cidade em si eram o que ajudava cada vez mais a rádio a ganhar um espaço importante dentro do Grande Porto”, relembra João Bonucci.

Apesar de estar na direção, também trocava os papéis pelo microfone e deu voz a vários programas, que asseguravam as 24h de emissão. De todos os projetos em que esteve envolvido, destaca-se o programa de segunda-feira à noite, especialmente guardado na “cassete” das memórias: “Nós criávamos uma pequena história, normalmente alicerçada em situações algo bizarras, e criávamos aquilo como um lançamento: a história tinha um início, tinha um conjunto de personagens e no fundo nós lançávamos essa história no ar e a ideia era pedir que o público contribuísse em 30 segundos para dar uma sequência à história”.

5 ou 6 horas a gravar para um jingle tocar trinta segundos

Cada história e cada cenário criado, era acompanhado por um jingle também produzido pelos protagonistas da RUP. João Bonucci para além de ser o “homem do leme” era também “o homem dos jingles” e apesar de ter apenas um equipamento básico, conseguiu construir sonoridades bastante avançadas para a época: “Tínhamos um equipamento que na altura nos ajudava a fazer esse processo de montagem. Não era um equipamento muito sofisticado de todo, mas tínhamos meios para fazer algumas produções engraçadas. No entanto, posso dizer-lhe que muitos jingles poderiam chegar a demorar cinco, seis horas a gravar, e às vezes estamos a falar de um resultado de 30 segundos. Éramos extremamente perfecionistas na forma de preparar, estruturar e elaborar o próprio jingle”, recorda.

Um segundo começo na Rádio Universitária do Porto

Quando a rádio começou a atingir uma proporção maior, mudaram-se com o apoio da Reitoria para um edifício na Rua Miguel Bombarda, que ficou marcado com o cunho da Rádio Universitária. Mais tarde, estabeleceram uma parceria com a Escola Superior de Jornalismo, servindo também assim: “para formar ou para dar os primeiros passos na ótica do jornalismo radiofónico”.

Mais do que uma frequência

Mas a Rádio Universitária não foi apenas mais uma frequência, nem serviu como mero método de ensino. Para quem ficava sintonizado na RUP, encontrava na emissora um canal “extremamente importante para defender alguns interesses dos estudantes, principalmente a camada dos estudantes universitários”.

A Rádio Universitária do Porto já estava a “ganhar um nome na praça” mas ainda faltava ganhar um lugar no espectro radiofónico português. Em 1988, depois de sair a Lei da Rádio, a RUP concorreu contra 17 rádios para alcançar um espaço nas cinco frequências destinadas para o Porto. João Bonucci recorda esta etapa como uma das mais “complicadas” da Rádio: “Fizemos um projeto excelente, ficamos noites sem dormir, e ainda tivemos de fazer uma compilação do projeto todo, que era bastante complexo (…), tudo foi trabalhado ao ínfimo pormenor para dar certo. Nós acabamos por ser os primeiros dos últimos, ficamos em sexto lugar, o que nos deixou bastante abalados na altura”, afirma.

Uma rádio que não precisou de entrar em falência para desligar os microfones

Apesar de ser “uma empresa saudável, com um clashflow positivo e de nunca ter tido o risco de entrar em falência”, a RUP desligou os microfones há 26 anos. O espaço foi entregue à Federação Académica do Porto mas os estúdios não voltaram a ter vida.

O edifício da Rádio Universitária, atualmente abandonado e aparentemente esquecido, ainda continua na memória dos membros, que deixaram lá “bocados” de si: “Muitos de nós deixamos coisas pessoais, que levamos para a rádio e que ficaram lá porque de facto, durante aqueles quatro anos, para muitos de nós, principalmente para a direção, era como se fosse uma segunda casa, passávamos muitas horas do nosso dia na rádio”.

Uma segunda casa que já não pode acolher mais estudantes porque de acordo com João Bonucci, na altura acreditaram que “as rádios universitárias não tinham futuro, porque tipicamente as pessoas que as criavam depois terminavam os seus cursos e saíam”, não dando continuidade ao projeto.

O diretor do projeto discorda desta visão e vê neste problema “o grande segredo” para o sucesso: “A universidade continuará sempre, há sempre alunos a entrar e alunos a sair, e uma rotatividade iria dar continuidade ao projeto que poderia funcionar com altos e baixos”. Foi precisamente com mais altos do que baixos que a RUP fechou as portas em dezembro de 1988, deixando apenas como legado os locutores que a tornaram possível.