A última segunda-feira marca um novo dia para o jornalismo britânico. Contra a corrente de digitalização da informação, a Trinity Mirror, companhia responsável pelo Daily Mirror e dezenas de publicações nacionais e regionais, lançou o “the New Day”. O jornal diário de quarenta páginas em média, com matérias concisas e um espírito otimista pretende atrair leitores de “copo meio cheio”. O JPN falou com o gabinete de imprensa da Trinity Mirror.

Harry Carter explica que o “the New Day” identificou falhas no mercado de jornalismo impresso britânico, as quais estavam a afastar o leitor do formato físico. Já no meio digital, os fundadores consideraram não haver espaço para o conceito do periódico. O chefe executivo do “the New Day”, Simon Fox, citado pela BBC, afirmou não encontrar um espaço para entrar num mercado “ferozmente competitivo”, o mercado informativo digital, onde a pressão do imediatismo se faz sentir cada vez mais.

O posicionamento do novo jornal

O “the New Day” foi desenhado para coexistir com o mundo digital, diferenciando-se pela cobertura mais aprofundada em algumas matérias, em detrimento de outras nas quais não querem competir. Os jornalistas têm noção que há uma multiplicidade de fontes a que os leitores podem recorrer para dados que não encontrem no “the New Day”, como resultados desportivos, ou notícias de grande destaque e atualidade.

Nas matérias que cobrem, vão ao detalhe e focam-se no “ambiente, contexto e diferentes pontos de vista para ajudar os leitores a compreenderem as notícias e a tomarem as suas próprias decisões”, revela o diretor do gabinete de imprensa da Trinity Mirror. O “the New Day” aponta aos muitos consumidores que revelaram estar dispostos a comprar um jornal “se ele tivesse algo mais adequado para eles e para a sua vida”.

“Standalone”, é assim que os ingleses definem o novo jornal, porque se encontra só em papel e apenas nas bancas. O novo diário inglês não vai ter site próprio, mas já marca presença no Facebook e Twitter. “Como podem ter reparado, não temos uma página web. Alternativamente, estamos a usar esta página de Facebook para ouvir as vossas opiniões sobre os assuntos do dia, para nos divertirmos e para partilhar o que a equipa do ‘the New Day’ está a fazer”, pode ler-se na página da rede social.

Numa altura em que a Internet domina o mercado de informação e entretenimento, o “the New Day” vai contra a maré, mas não vê esse facto como uma ameaça. “Para nós [Trinity Mirror] é uma aposta de baixo-risco pois já imprimimos, publicamos e distribuímos jornais nacionais, portanto temos as infraestruturas e recursos próprios para o fazer mais facilmente”, revelou Harry Carter.

Uma estratégia de “negação da realidade”?

O JPN esteve à conversa com Hélder Bastos, professor de jornalismo de imprensa no curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). “Como professor de imprensa e amante de jornais de papel, gostava muito que o projeto vingasse e mostrasse como dar a volta à situação” da imprensa mundial, confessa o docente.

Hélder Bastos avisa que existe uma tendência a ser enfrentada: “A migração dos leitores do papel para o online e a dos anunciantes no mesmo sentido”. Para um jornal impresso se destacar tem de colmatar falhas que são apontadas à imprensa com muita intensidade como a deterioração do produto jornalístico, o declínio na investigação e a diminuição geral da qualidade, adianta o professor.

Já vários leitores se manifestaram na página de Facebook do “the New Day”, mostrando-se céticos quanto à novidade e qualidade da publicação. Hélder Bastos também está desse lado, mas concede que “há uma série de incógnitas que só o tempo vai responder”.

Se o projeto vingar, o professor de jornalismo considera que o “the New Day” ficaria na história por contrariar a sempre anunciada morte da imprensa. Por outro lado, pode acabar por ser apenas um “projeto quixotesco que se ficou pelas boas intenções e pelo revivalismo”. Olhando para as tendências e fazendo projeções, porém, o cenário não é o mais otimista: “Espero que não estejam em estratégia de negação da realidade”, conclui Hélder Bastos.

 

Artigo editado por Filipa Silva