A ideia foi surgindo “ao longo dos anos”. Acerca de uma década, a realidade do cancro pediátrico atingiu a família de Fernando Pinho, fundador do “Projeto Amélia”. O irmão, à data com 11 anos, esteve mais de dois no IPO do Porto.

Nessa altura, Fernando Pinho fez uma campanha nacional para ajudar o irmão, convenceu os amigos a serem dadores de medula óssea e teve a primeira experiência no ativismo contra o cancro, mais especificamente o pediátrico. Desde 2007 vive em Londres e esteve um período focado na “vida profissional”. Quando a filha nasceu, porém, decidiu dedicar a sua vida a ajudar “aqueles que não têm a sorte de ter nascido num país desenvolvido”. Queria ajudar, mas não queria ser apenas mais uma ONG. “O que vamos fazer para ajudar?”, perguntava-se então Fernando Pinho.

O transporte de doentes

O promotor cultural não teve de esperar muito tempo até chegar a uma conclusão: “Porque sou piloto particular e porque sabia que muitas ONGs tinham dificuldade no transporte aéreo, decidimos criar algo na área do transporte”, conta ao JPN.

Fundada em 2014, após um ano de planeamento, só com Fernando e Jane Anthony como colaboradores a tempo inteiro e Filipa Henriques como consultora em “part-time”, o “Projeto Amélia” ainda tem recursos humanos e financeiros limitados mas muita vontade de fazer a diferença.

No terreno, por outro lado, colaboram com “muitas organizações e voluntários”, aumentando o alcance das iniciativas. Definido o meio de atuação e formada a equipa, o desafio seguinte foi o de escolher a área geográfica onde intervir. Na fase de criação da ONG, o “Projeto Amélia” falou com ONGs sediadas em Inglaterra e estabeleceu uma parceria com a World Child Cancer (WCC). Perguntaram-lhes onde poderiam ajudar e a resposta da organização de apoio ao tratamento do cancro pediátrico apontou para Este, o Myanmar (ou Birmânia), país onde a WCC estava a começar um novo projeto.

A Birmânia

O Myanmar, ou Birmânia, fica no sul da Ásia continental

O Myanmar, ou Birmânia, fica no sul da Ásia continental www.projetoamelia.org/

O país precisa de uma contextualização: “Estava fechado até 2010/2011 sob um regime militar que ainda existe, mas está em fase de transição. É um país devastado economicamente e com um alto nível de pobreza”,  adianta Fernando.

Questionado sobre o porquê de não atuar em Portugal, o fundador da ONG coloca os dois países em perspetiva: “Em Portugal, em 100 crianças diagnosticadas com cancro, 100 recebem tratamento e em média 80 sobrevivem. No Myanmar em cada 100 crianças diagnosticadas, 10 recebem tratamento e metade morrem. Resumindo: em cada 100 crianças diagnosticadas em Portugal 80 sobrevivem, em cada 100 crianças diagnosticadas no Myanmar, apenas 5 sobrevivem”.

Em Portugal, o acesso ao tratamento é mais abrangente e já existem outras organizações como a Casa Ronald McDonald, onde as “famílias podem ficar enquanto acompanham os seus filhos, junto ao IPO”. Na Birmânia, por outro lado o “drama é chegar ao hospital”, avança. Com apenas 30% das estradas do país pavimentadas, chegar ao hospital significa “viagens de três ou quatro dias para famílias que não têm dinheiro sequer para comer e têm sete ou oito crianças.”

O baixo nível de vida fez com que o pouco dinheiro angariado pelo “Projeto Amélia” pudesse fazer verdadeiramente a diferença. Estava definido o público-alvo da intervenção. No ano de 2015, o projeto iniciou a parceria com a World Child Cancer, pagando viagens de equipas médicas para o país. Quando lá chegaram comprovaram que “a WCC estava a fazer um grande trabalho em Yangon, o único hospital do Myanmar que tem tratamento oncológico pediátrico, num país com 50 milhões de habitantes”, revela o fundador.

Desde novembro do ano passado começaram a desenvolver um novo projeto que visa transportar crianças por via terrestre ou por avião para o hospital. Quarenta e cinco euros pagam uma passagem para a criança afetada e um dos pais num voo comercial ou o aluguer de um pequeno avião da região para fazer o transporte. “Temos uma série de pilotos voluntários, na região, em Inglaterra e até portugueses, que já se ofereceram para ajudar. Em Singapura, existem muitos aviões disponíveis para aluguer. Pequenos aviões de 4/6 lugares para fazermos os transportes.”, explica Fernando Pinho.

Sensibilizar, angariar e ajudar

Para conseguir chegar ao terreno, grande parte do trabalho do “Projeto Amélia” passa por campanhas de angariação de fundos. A primeira, “60 dias 60 aeroportos”, teve lugar em 2015. Fernando Pinho propôs-se a passar sessenta dias em sessenta aeroportos diferentes. Acabou por ter de encurtar o período pois chegou ao seu “limite físico e mental”. No final, não reuniu tanto dinheiro como desejava mas o objetivo secundário foi conseguido: “Foi esse evento que nos permitiu ficar conhecidos pelo público em geral, pela imprensa e por outras organizações”, remata Fernando.

Entre 30 de março e 23 de abril, chega a nova campanha: “24 horas, 24 dias”. Vinte e quatro figuras públicas vão, uma de cada vez, passar vinte e quatro horas no aeroporto. O objetivo é a sensibilização para o problema do “cancro infantil, que existe a duas velocidades no mundo. Nos países desenvolvidos a realidade é positiva: 80% de cura. Nos países em desenvolvimento, caso do Myanmar, a realidade é a oposta: a mortalidade é quase 100% portanto queremos colocar este tema na agenda e angariar fundos para ajudar a mudar essa realidade”, reporta Fernando Pinho.

Mais do que uma coleta de fundos, a campanha pretende sensibilizar o público e os media para as “histórias verídicas de crianças” que já ajudaram e outras que precisam de ajuda.

O objetivo de “apoio permanente”

A “visão a longo prazo” do “Projeto Amélia” passa por poder dar apoio permanente no terreno. Para lá chegar, a equipa estabeleceu metas intermédias. “O objetivo para este ano é conseguir 45 mil euros. Se conseguirmos, vamos estar durante um mês a desenvolver um projeto piloto para transportar centenas de crianças com cancro para o hospital de Yangon. Se conseguirmos implementar o projeto piloto vamos poder avaliar o impacto real que o projeto teve naquelas crianças”, adianta.

Para 2017 e adiante o objetivo é “extender o programa de uma forma permanente durante dois anos. Em vez de estarmos lá um mês, queremos estar lá dois anos, permanentemente a dar apoio e fazer transporte de crianças e famílias afetadas pelo cancro”.

Para lá chegar, é preciso sensibilizar e recolher fundos, de forma sustentada. “Se conseguirmos provar que o modelo funciona e que tem um impacto enorme, será mais fácil pedir fundos comunitários e ao governo britânico”, explica Fernando. Questionado sobre intervenções no Porto, o fundador revela interesse mas está ainda a “avaliar a situação” e em conversações com o aeroporto do Porto. Adianta, no entanto, que existem “muitas pessoas a voluntariarem-se para dormir no aeroporto do Porto”.

Mais do que se afirmar enquanto organização, o objetivo do “Projeto Amélia” é chegar ao maior número de crianças. A próxima campanha inicia-se a 30 de março, mas pode já consultar como ajudar na página da organização.