“Registo Inédito” é o nome da curta que José Luís está realizar e sobre a qual ainda não há data prevista para a estreia. “Isto de adiar acontece com os surdos”, brinca José, com um sorriso nos lábios.

José Luís, ou Zé Luís Rebel – o seu nome artístico -, tem 32 anos, é do Porto e licenciado em Multimédia. Na verdade, o que ele sempre quis foi estudar cinema e tentou fazê-lo na Escola Superior Artística do Porto (ESAP). Tal como havia acontecido na Escola Artística Soares dos Reis, a escola que frequentou apenas um ano no Secundário, a ESAP disse-lhe que, por ser surdo, não ia conseguir ser bem sucedido e, por isso, seria melhor não avançar.

Acabou por fazer o secundário na Escola do Infante, em Informática, seguindo-se o Instituto Universitário da Maia (ISMAI) no qual terminou a licenciatura em 2011.

O realizador ficou surdo aos dois anos, consequência de uma meningite. Dada a sua condição, há aspetos que gosta de sublinhar e que o faz “há anos” com as pessoas que o rodeiam: José pede que não o chamem “surdo-mudo”, mas apenas “surdo”. Isto porque tem voz, fala, só que nem sempre é entendido por quem o ouve. Por isso mesmo é que este fez questão de responder com a sua voz, e sempre de sorriso aberto, às perguntas que lhe foram feitas por escrito.

Aos 17 anos começou a frequentar a Associação de Surdos dos Porto (ASP). Na altura foi uma mais valia, dado que se sentia bem a conviver com pessoas na mesma condição. Hoje, Zé Luís garante que não precisa disso porque se sente “livre”.

Uma vontade superior aos desafios

Depois de terminar a licenciatura não arranjou emprego. José foi convidado a ir a Lisboa fazer parte de um filme sobre surdos, e acabou por realizar também o “making of” do mesmo o que, para si, “foi excelente”.

Em Setembro de 2011 fundou a GestoFilmes, a primeira produtora nacional dedicada à realização de conteúdos para pessoas surdas, mas só há um mês é que conseguiu ter um espaço no Pólo das Indústrias Criativas (PINC) do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), para o qual já se tinha candidatado em 2013 e 2014.

Em 2012 passou também por Viena com o projeto Leonardo Da Vinci, onde fez um estágio. No ano seguinte trabalhou para a TVU na edição de vídeos para colocar na plataforma do canal e nos plasmas presentes na Universidade do Porto. Entre risos, o também produtor realça a ironia dos vídeos que editava serem sem som.

Este foi o último emprego de Zé Luís. O jovem está há cerca de dois anos desempregado, e lamenta o facto de Portugal não ter mercado para a sua área: “Não há mercado aqui em Portugal, não há investidores, é muito difícil como já se sabe. Sempre o foi”.

Ainda assim, a luta não para. O produtor mora na Trofa e vem todos os dias, de carro, até à Praça Coronel Pacheco, onde fica o Pólo de Indústrias Criativas do UPTEC. Tem apenas uma secretária e um computador, que é seu e que também o acompanha todos os dias.

Sobre a GestoFilmes, o produtor confessa que está a tentar “ir com calma”, pois o objetivo é dar a conhecer a produtora em festivais. “Estou a realizar filmes para expandir. Não tenho ideia de lucrar, para ser mais exato, tenho ideia de me ligar e estar envolvido em projetos, porque é disso que eu gosto e me motiva a continuar a dedicar-me à Gestofilmes”, esclarece.

A ideia da curta-metragem “Registo Inédito” surgiu por acaso: “Um dia ao vir para o Porto estava a pensar num tema para fazer um filme e lembrei-me dessa ideia de pegar num rapaz surdo e filmá-lo, filmar a sua vida. A ideia podia ser outra, mas surgiu esta”.

Surdez: “Um conflito de cultura e de sociedade que acontece em todo o lado”

Zé Luís considera que as pessoas surdas são postas de lado e o produtor quer mostrar que isso acontece, até entre surdos. “Não se encontram barreiras e preconceitos só na sociedade fora da comunidade surda, mas também dentro da comunidade surda. Por exemplo, o termo ‘ouvinte’, muitas vezes, é usado pelos surdos para separar as pessoas e terem a certeza com quem estão a falar e com quem convivem, se é surdo ou se é ouvinte. Se for surdo como eles, a comunicação recorre pela língua gestual portuguesa, mas se for um ‘ouvinte’, a comunicação pode ser muito mais complicada e os surdos não oralizam, pelo hábito aos gestos em vários anos. Em relação a isso, os surdos também se sentem discriminados pelos ‘ouvintes’ os tratarem com nomes mais graves como “mudos”, “macacos”, etc. É um conflito de cultura e de sociedade que acontece em todo o lado”, escreve José Luís, em conversa com o JPN.

O protagonista da curta chama-se Pedro e estuda na Escola Superior de Educação (ESE). Zé Luís costuma ir até lá para conviver e, de acordo com o papel que tinha escrito no guião, achou que Pedro podia adequar-se à personagem. Os jovens marcaram um café, Zé Luís propôs o desafiou e Pedro “alinhou”.

A curta não tem ainda uma data certa para estreia e, segundo o produtor “tudo depende do elenco e da disponibilidade”. “Já andamos a adiar muito, mas este mês e em junho vamos tentar acabar. Veremos se é em julho”, indica Zé Luís, adiantando que esta data pode ser adiada.

As suas curtas, embora sem som, “são para todos”. A falta de som é fruto do conselho de um professor que lhe disse que, assim, o seu trabalho marcaria a diferença e faria com que as pessoas percebessem a sua condição. O produtor compreende que para quem ouve seja uma “seca”, mas, em alternativa, usa as legendas.

Zé Luís Rebel tem, até agora, cerca de 15 curtas: “Umas incompletas, outras maiores, outras mais pequenas”. Tudo é filmado e realizado com material próprio, bem como a edição, que é feita por ele.

Artigo editado por Sara Gerivaz