Tetracampeão do mundo pela canarinha, Raí Oliveira brilhou nos anos noventa. Começou por dar nas vistas ao serviço do São Paulo, antes de abraçar o futebol francês. Agora, aos 51 anos, o antigo médio está ligado às causas sociais no Brasil. Preside ao Conselho Curador da Fundação “Gol de Letra”, criada em 1998 para abrir melhores condições de vida às comunidades desfavorecidas. A entidade tem “impacto na vida de 3 mil crianças em São Paulo e no Rio de Janeiro, com uma metodologia muito própria que está a ser passada pelo país”, refere.

Raí esteve no Football Talks para abordar a responsabilidade social inerente aos futebolistas de maior projeção. Segundo o paulista, instituições como a sua costumam lidar com problemas de baixa escolaridade e famílias “desestruturadas quase invariavelmente pela droga”. O projeto “Gol de Letra” visa trazer conhecimento e metodologias para serem trabalhadas “com a criança, com a família e principalmente com as lideranças da comunidade”, sublinha.

O ex-jogador criou a “Gol de Letra” com o antigo craque Leonardo. Assume ter usado o seu poder de mobilização para “participar no movimento rumo a um país socialmente mais justo”. Valoriza ainda o papel do desporto como municiador de uma nova pedagogia de cultura, conhecimento e cidadania. Tais caminhos que honram os valores transmitidos por Sócrates.

O peso da “Democracia Corinthiana”

“Aquele ali na foto era o meu irmão. Pela foto não se percebe, mas aquela fita que tem na cabeça era um símbolo contra a ditadura”, lembra Raí. O antigo craque fala com entusiasmo do irmão mais velho, que recebe a alcunha de “líder da redemocratização”. Vamos aos factos. Sócrates começou a dar nas vistas pelo Botafogo de Ribeirão Preto. Fez mais golos que jogos, tendo conciliado a carreira desportiva com o curso de medicina.

Em 1978 chega ao Corinthians. Teria um papel relevante no Timão, ao ficar célebre nos anos oitenta com a “Democracia Corinthiana”. Em traços gerais, a equipa era autogerida através de votos igualitários. Por exemplo, as decisões tomadas pelo treinador tinham o mesmo peso que as escolhas feitas pelos próprios jogadores. Sem dúvida, o maior movimento ideológico da história do futebol canarinho.

Causas sociais a dobrar

Em paralelo, Raí criou também a “Atletas pelo Brasil”, associação sem fins lucrativos que conjuga atletas brasileiros de diferentes gerações. Neste caso, a meta consiste em potenciar o avanço social por intermédio do desporto. Como principais medidas, a entidade conseguiu “mudar a Lei Pelé junto do Congresso” e atingir acordos com parceiros “para um desporto com regras de transparência e boa conduta. Enquanto atletas ou antigo atletas, o nosso papel é informar, consciencializar e mobilizar para o desporto, algo que também irá contribuir para um país mais justo”, argumenta. Afinal, sugere Raí, “o jogo só termina quando todo o mundo vence”.

Questionado sobre um possível regresso ao futebol, o brasileiro considera que é de “outro mundo”. No fundo, à imagem e semelhança de Sócrates. Enigmático, deixa a dúvida a pairar no ar. “Sinto saudades, acompanho como torcedor e sou embaixador do São Paulo e do PSG. Estou a tirar outro curso de gestão de desporto, quem sabe se um dia não volto?”. Seja qual for o destino, Raí promete continuar a “fazer bem”.

Tite deu “tranquilidade e confiança”

Na última década, o Brasil arrecadou três competições: duas Taças das Confederações (2009 e 2013) e uma Copa América (2007). De resto, o escrete tem desiludido nos resultados, mas sobretudo no futebol demonstrado. A goleada sofrida em casa com a Alemanha (7-1) nas meias-finais do Mundial 2014, que organizou, simbolizou uma das páginas mais negras na história do futebol brasileiro. Os fantasmas ainda permanecem, mas Tite veio restaurar a confiança, na opinião de Raí.

À margem do Football Talks, o outrora médio falou sobre o momento da canarinha. Destacou ainda as novidades trazidas pelo antigo timoneiro do Corinthians, que leva oito triunfos em outros tantos desafios no apuramento para o Mundial da Rússia. “Além do conhecimento técnico e tático dele, é uma pessoa muito carismática. Soube dar tranquilidade ao elenco e confiança aos jogadores brasileiros. Transformou o ambiente mais leve na relação com a opinião publica e com a imprensa. Isso fez com que os jogadores se sentissem mais à vontade dentro do campo”, comentou.

Instado a comentar o crescimento de Neymar, Raí Oliveira acredita que o extremo do Barcelona pode ser o melhor jogador do mundo num futuro próximo. “Algo que ele tem parecido com o Cristiano [Ronaldo] e o Messi é a ambição de querer sempre mais. Além de todo o talento fenomenal, tem força mental e é um atleta que está a crescer nos momentos decisivos. Isso complementa as qualidades precisas para ser o melhor do mundo”, avisa.

Jardim está a fazer um “magnífico trabalho”

Sobre o futebol português, Raí confessa que não tem acompanhado muito a Liga NOS. Por isso não arrisca entrar em análises detalhadas. “Mas o que a gente percebe é que a comissão técnica brasileira está cada vez mais acompanhando o futebol português. O Tite e a sua comissão têm uma atenção especial para os jogadores que se estão destacando aqui”, recorda.

Campeão pelo PSG na temporada 1993/1994, o brasileiro abordou a atualidade do clube francês. Raí fala numa “estrutura grande, que colocou um nível muito alto no campeonato”. Isso fez com que outros clubes tivessem de aumentar os índices de competitividade. O antigo craque destaca o exemplo do Mónaco, onde Leonardo Jardim está a protagonizar “um magnífico trabalho com jovens e muita audácia”.

Raí alerta que o panorama “pode trazer complicações” para os parisienses. Até porque é um erro uma equipa como o PSG “ficar órfã de um atleta”, numa alusão à saída de Zlatan Ibrahimović para o Manchester United.

Artigo editado por Filipa Silva