O objetivo principal do “Bem-vindo à Família” é aproximar o público da peça, dando-lhe liberdade para falar, exprimir a sua opinião e tomar as suas próprias decisões, afetando o rumo do enredo. O primeiro capítulo “Minex” decorreu entre o dia 24 de março e o dia 13 de abril, num espaço do centro comercial Alexandre Herculano. Durante os 12 dias de espetáculos existiram 153 participantes.

Boas-vindas à família. Foto: José Miguel Soares

Já o segundo capítulo “Problemas Financeiros” e “Festa Mortal” vai arrancar a 11 de maio. No entanto, a partir dessa data, os interessados também vão poder fazer o primeiro capítulo, bastando, para isso marcar com os responsáveis uma data para o efeito.

A lotação de pessoas por sessão varia de capítulo para capítulo. Por exemplo, se o primeiro capítulo “Minex” é limitado a seis pessoas, no segundo capítulo “Festa mortal” já só podem estar duas pessoas por sessão.

As peças decorrem entre quinta a domingo, em sessões que duram cerca de 45 minutos. Já a disponibilidade em termos de horários, variam consoante os capítulos, visto que existem capítulos que só podem ser realizados à noite como, por exemplo, o capítulo “Festa mortal”.

Com o pagamento de seis euros, a inscrição fica assegurada para dois capítulos. A escolha em termos de horários é o público que decide, bastando, para isso, marcar com os responsáveis do projeto.

“Que comece a festa!”

Personagem Miguel. Foto: José Miguel Soares

O primeiro capítulo passa-se num espaço de três salas, no Centro Comercial Alexandre Herculano. Existem três atores em permanência e, para cada sessão, há lugar para um total de seis pessoas.

Os espectadores estão presentes porque pretendem ficar com um emprego numa empresa de exploração mineira que está à procura de novos trabalhadores. No entanto, quando chegam ao local, apercebem-se que foram vítimas de uma fraude.

Assistem a um cenário assustador, em que a única luz do espaço são velas que estão no chão da sala. Existem três personagens, Francisco, um chefe da empresa “Minex” que está completamente louco, imprevisível e numa insanidade total. Eduardo, um trabalhador da empresa, com problemas de álcool e de drogas. E, por fim, Miguel, um assistente que é, de certa forma, o elemento com a qual o público mais se identifica, que aparenta até estar quase obrigado na situação.

A ação começa quando os quatro espectadores (a Clara, o Paulo, a Filipa e o Ivone), acompanhados por Miguel (assistente do fundador da empresa “Minex”) entram na sala. Mal chegam, os espectadores são logo fechados à chave.

Personagem Eduardo. Foto: José Miguel Soares

Francisco (fundador da empresa “Minex”) está sentado, com um ar intimidante e num tom agressivo diz aos presentes que acabaram de entrar: “Que comece a festa!” e começa a rir-se de tal forma exagerada, que acaba por ter um ataque de tosse intenso.

No tempo que ali está, Francisco é intimidante para os espectadores, com sucessivas gargalhadas que demonstram bem o estado de loucura.

No entanto, no pouco tempo que está naquela sala, junto dos espectadores, o chefe é desrespeitado por um dos membros da empresa. Como tal, resolve rapidamente do assunto: depois de deixar os espectadores intimidados, Francisco acaba por sair da sala ao encontro de Eduardo, que se encontrava na sala ao lado.

Por isso, os espectadores ficam apenas com Miguel na sala. É o assistente de Francisco que acaba por dar as informações aos quatro espectadores presentes: “A partir de hoje, alguns de vocês ficarão a trabalhar nesta empresa. Viverão uma vida de luxúria, no entanto, serão obrigados a executar todo o tipo de serviços que vos pedirmos, assim como, jamais entrarão em contacto com os vossos amigos, familiares, conhecidos. Para eles vocês terão morrido!”.

No entanto, o ator explica que nem todos os quatro elementos terão o mesmo desfecho: “Outros de vocês ficarão em liberdade. Voltarão para as vossas casas, mas jamais poderão falar sobre o que viram aqui. Se o fizerem terão consequências”.

É nesta fase que, um à vez, os espectadores saem para uma terceira sala e são submetidos a uma entrevista de emprego feita pelo

intimidante Francisco. De referir que, durante a entrevista, Francisco aparece com a mão ensanguentada e, até ao fim, não há mais sinais de Eduardo. A ideia que pretende ser dada ao espectador é que Eduardo foi morto pelo fundador da empresa.

Mesa onde se realizam as entrevistas. Foto: José Miguel Soares

A entrevista envolve questões relacionadas com a capacidade do espectador em termos de idiomas, a maior maldade que o espectador já fez a alguém ou questões como, se pela família seria capaz de fazer qualquer coisa. Francisco vai tirando as suas notas num bloco e tira as suas conclusões.

No final, os espectadores Paulo e Clara foram aceites na empresa, pelo que, vão fazer o segundo capítulo “Festa mortal”, num cave ainda por divulgar. Já Filipa e Ivone, como não foram admitidos na empresa, vão fazer o capítulo “Problemas financeiros”, numa apartamento ainda por divulgar.

 “Trouxe algo para Portugal que não existe”

Leandro Baptista, que corresponde ao ator Francisco é o criador do projeto. Terminou a licenciatura em Teatro na Escola Superior Artística do Porto no ano passado. O ator explicou como surgiu a ideia. Foi ao longo da sua formação que se apercebeu da falta de participação do público no teatro: “Comecei a aperceber-me que não havia espetáculos em que o espectador fosse desafiado a sair da sua zona de conforto, a falar e a participar. Limitavam-se a ver a peça e pronto, acabava ali”.

Leandro Baptista é o criador do projeto. Foto: José Miguel Soares

O criador do projeto adianta mesmo que este é um projeto único no mundo. “Trouxe algo para Portugal que não existe. No ‘Bem-vindo à Família’ é o espectador que decide o rumo que quer dar à história. Tanto em Portugal como fora de Portugal não existe um espetáculo que permita ter esta liberdade”.

No entanto, segundo Baptista, as diferenças em relação ao teatro tradicional não se ficam por aqui. “Mesmo a própria ideia de dividir o teatro em capítulos ou até um espaço físico para lá das típicas salas tradicionais de teatro foi algo que quisemos fazer de diferente”.

O facto de o espectador poder interferir com o rumo da história não é um problema para Baptista: “Existem mil e uma maneiras de poderem agir. Contudo, o guião está estruturado de forma a que exista uma resposta para cada cenário possível. Por isso, é fácil controlar isso”.

No entanto, o ator admite que lidar com espectadores exige certos cuidados. “Há pessoas que não estão habituadas a este tipo de coisas, por isso, não se pode exigir que sejam logo espontâneas e que fiquem à vontade”.

“Ver teatro participando torna-se mais cativante”

Paulo Jorge assume que as expectativas para o segundo capítulo estão elevadas. Foto: José Miguel Soares

Paulo Jorge foi um dos espectadores presentes na peça. Tem 46 anos, é músico e também ator e diz que veio, sobretudo, para conhecer o projeto. “Como conheço bem os atores que aqui estiveram hoje, decidi experimentar para ver o que de novo se faz no teatro”.

O espectador mostrou-se surpreendido com a organização. “É um projeto que me surpreendeu. Em primeiro lugar, porque considero que está muito bem montado e com um guião bem estruturado. Em segundo lugar, por causa dos aspetos cénicos. Em terceiro lugar, as interpretações também estão muito bem conseguidas e consistentes.” Por esse motivo, Paulo Jorge admite que as expectativas para o segundo capítulo estão muito altas.

Filipa Rocha considera que ver teatro e participar é mais cativante. Foto: José Miguel Soares

Filipa Rocha é outra das espectadoras presentes. A estudante de Ciências da Comunicação também se mostrou agradada com o espetáculo: “Achei que foi muito diferente daquilo que estou habituada. Ver teatro participando torna-se, para mim, mais interessante e mais cativante. Até fiquei mais atenta à ação”, confessou a estudante.

“Bem-vindo à Família” continua a 11 de maio, num local ainda por definir.

Artigo editado por Rita Neves Costa