Ativo desde 2004, o Programa Aconchego aproxima idosos e estudantes. O JPN ouviu a história de uma sénior que aderiu ao projeto desde os seus primórdios e do jovem que recebe atualmente em sua casa.

Maria José Ferreira da Silva abriu-nos a porta de casa para nos dar a conhecer a sua experiência no Programa Aconchego. O projeto lançado pela Câmara Municipal do Porto em 2004, que tem a Federação Académica do Porto como parceira, dá aos estudantes deslocados uma solução de hospedagem alternativa, no centro da cidade, em casa de idosos que vivam sozinhos.

De sorriso fácil e as mãos a tremer, Maria José impõe como única condição não ser fotografada. Mas confessa-nos a idade: 94 anos. A idosa vive com Fábio Medeiros, um estudante do terceiro ano de Música na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) do Instituto Politécnico do Porto. Fábio é natural de São Miguel e deixou a sua casa para vir estudar para o continente em 2015. Uma pesquisa por alojamento no Porto resultou no conhecimento do Programa Aconchego, através do qual a sua vida se cruzou com a de Maria José.

Já a sénior foi aconselhada por uma amiga que tinha acolhido um estudante na sua habitação. Fábio é o sexto jovem que Maria José recebe e garante que “nunca teve problemas”. Os estudantes pagam uma pequena quantia mensal, embora a sénior dispense alguns deles do pagamento, “conforme as necessidades de cada um”, esclarece.

Sobre o processo de adesão ao programa, ambos consideram que é “muito fácil”. Apesar de haver certas condições a cumprir, “não é nada fora do normal”.

Maria José e Fábio moram debaixo do mesmo teto pelo terceiro ano consecutivo e acreditam que “o respeito, a compreensão e o amor ao próximo” são os fatores-chave para uma convivência saudável. Na verdade, o estudante e a idosa já partilham muito mais do que uma casa. “É muito enriquecedor estar com uma pessoa mais velha”, confessa Fábio.

“Todos os meus movimentos são para fugir da solidão”

Numa salinha apetrechada de fotografias e livros antigos, Maria José fala sobre o peso do passado: “Esta divisão é o meu mundo, a minha recordação, a minha vivência”. Viúva desde os 50 anos e sem nunca ter trabalhado, “porque eram outros tempos”, a sénior tem agora a companhia destes jovens que preenchem a sua vida e diminuem o sentimento da estar só: “Todos os meus movimentos são para fugir da solidão”.

Maria José tem dois filhos. Confessa que, apesar de serem “ótimas pessoas”, têm muito trabalho, pelo que não podem dar-lhe assistência constante. Sobre o programa, diz que ambos se sentem aliviados com o facto de a mãe ter companhia e atenção assegurada.

A sénior, que inicialmente sentiu algum receio em acolher um rapaz, afirma agora que “é igual” e que se sente bastante satisfeita, uma vez que Fábio tem todos os valores que mais aprecia: valores de amizade, sensatez e família, essencialmente.

De sorriso rasgado, confessa que as regras da casa são praticamente nenhumas: “Não interferimos um com o outro, encontramo-nos quando pode ser”. Já Fábio afirma que a sua personalidade não o leva a querer sair à noite com frequência, mas que, uma vez por outra, pode fazê-lo sem que isso seja um problema.

A rotina em casa é quase sempre a mesma: Fábio tem o seu tempo e espaço para ir às aulas e estudar e Maria José confessa que tem “o dom de se saber entreter” quando ele não está, através das palavras cruzadas e da costura. À noite, encontram-se para jantar e, eventualmente, ver televisão e conversar sobre o dia de cada um.

A idosa não tem medo de estar sozinha, mas sublinha que “a sensação de estar só é muito pesada”.  Assim, o Programa Aconchego veio trazer algum alento à sua vida, através do convívio com jovens estudantes com quem acaba por estabelecer laços muito fortes. “Quase todos os que por aqui passaram continuam a ter contacto comigo”, confessa a sénior.

“Sinto-me em casa”

Sendo dos Açores, Fábio não vai a casa com a regularidade desejada, mas afirma que isso não é um problema: “Sinto-me em casa”. Desta forma, o estudante e a sénior já vivenciaram algumas datas especiais juntos.

Com um brilho no olhar, Maria José falou ao JPN da surpresa que o jovem músico lhe fez na data do seu aniversário: “Ele apareceu-me aqui a tocar a música dos parabéns no clarinete e eu fiquei muito emocionada”. Mas, no aniversário de Fábio, foi a vez da sénior surpreender: “Ofereci-lhe um almoço e uma taça com o nome dele, porque ele gosta de ter a sua loiça”.

A preocupação com o bem-estar do outro é também uma constante nesta casa que assiste à partilha de amor entre gerações. Maria José acompanha os estudos de Fábio, mostrando-se “sempre interessada” e perguntando ao jovem “como está a correr”. Se for a um aniversário de um familiar ou de uma amiga, a sénior nunca se esquece de levar uma fatia de bolo para o jovem. “São pequenos miminhos que dão satisfação às pessoas”, confessa a dona da casa.

Apesar de Maria José já não sair com frequência para passear, as idas ao supermercado são habituais e Fábio faz questão de a acompanhar, para ajudar com os sacos.

Já a lida da casa está a cargo de duas empregadas. Mas, quanto ao quarto do jovem, é a própria sénior quem trata do assunto: “Ele é bom rapaz e merece”. Apenas as refeições são da responsabilidade do estudante, já que os gostos dos dois não coincidem.

Fábio encontra-se no último ano da licenciatura e planeia fazer mestrado. Caso o seu desejo se concretize, o jovem pretende permanecer na casa da idosa que o recebe pelo terceiro ano consecutivo.

Maria José, que já não dispensa esta companhia, mostra-se igualmente muito satisfeita com a permanência do jovem na sua casa: “Gosto da juventude! Aprendo a vida de agora. Além disso, a vida é feita de miminhos e eu gosto de os dar e de os receber”.

Artigo editado por Filipa Silva