Brian Grim é o presidente da Religious Freedom & Business Foundation e esteve esta quarta-feira a discursar na Web Summit, em Lisboa, num painel sobre o lugar da religião no mundo dos negócio e em outro sobre o uso da tecnologia para resolver as crises humanitárias.

O JPN teve a oportunidade de se sentar com o doutorado, professor universitário, especialista em demografia das religiões, para conversar sobre o papel da fé no mundo atual e tecnológico.

Se pudesse dividir o globo em áreas de influência religiosa, como explicaria a demografia religiosa?
A demografia da religião é muito interessante e é até uma das características inatas do globo. É muito diversificado em religiões. De todas, o Cristianismo é, atualmente, o mais diverso, o mais espalhado pelo mundo. As maiores comunidades cristãs estão na Europa, por todo o continente americano e na Ásia. A segunda maior religião é o Islão, mas aqui há algo curioso. Podemos dizer que o “coração do Islão” está no Médio Oriente, mas apenas 20% dos muçulmanos vive nessa área. Outros 20% vivem em África, mas é na Ásia que estão concentrados 60% dos muçulmanos. O hinduísmo está maioritariamente concentrado na índia, os budistas estão quase todos na China e os judeus, que são uma religião muito importante com cerca de 40 milhões de fiéis, estão maioritariamente divididos entre Israel e os Estados Unidos.

“Fui protestante até 1994. Depois tornei-me católico. É curioso, porque é mais comum o contrário.”

Nos seus trabalhos fala muito sobre o conceito de “liberdade religiosa”. Onde se insere esta “liberdade” nos atuais conflitos de origem religiosa e na manutenção da paz?
A maioria dos conflitos é de ordem política ou económica, mas o perigo é quando a religião se sobrepõe a estas condicionantes. No Médio Oriente e em África há conflitos por setores, onde um grupo religioso se opõe a outro, mas é cada vez mais natural ver problemas religiosos a surgir na política. Por exemplo, na Indonésia, que é o maior país islâmico do mundo, elegeram um cristão para presidente de Jacarta. Isto é um grande avanço na mentalidade da sociedade. Mas a oposição acusou-o de blasfémia e ele foi preso. Não é propriamente a religião que causa conflitos, mas as pessoas que usam a religião para os seus fins pessoais. Relativamente à paz, se as pessoas se respeitarem há paz. É aí que reside a “liberdade religiosa”. Eu respeito a religião das outras pessoas e as pessoas têm de respeitar a minha. Quando temos isso como condição e o governo também protege esse ideal, há menos razões para conflitos.

Os ateus também se englobam neste conceito?
Claro! A liberdade religiosa existe mesmo que a pessoa não seja crente. É um tipo de liberdade religiosa.

E acha que a maioria das religiões encorajam esta liberdade de religiões?
Depende. Deve ter conhecimento das reuniões do Vaticano e dos documentos que têm. Um desses documentos, a dignatatis humanae, é o ensinamento dos católicos sobre a liberdade religiosa. Nesse documento, está explícito que não é dever de um Estado proteger a ortodoxia religiosa, mas que cada pessoa deve criar a sua própria relação com Deus. As pessoas têm liberdade por elas próprias. Se alguém é crente, queremos que tenha essa liberdade de escolha. Se forçarmos alguém, estamos a enclausurar a pessoa. Só em liberdade podemos ter sentido na religião.

Como é que as religiões afetam a economia a uma escala nacional?
Podemos usar o caso da Síria. Sinteticamente, na Síria há regras opressivas relativamente à liberdade de religião. Quando foi restringida, levou a um conflito, que ainda não se resolveu e levou a um descontrolo da economia. Passamos a ter uma “economia bomba” em vez de uma economia estável. Mas quando há liberdade religiosa, todas as pessoas se sentem livres. Isto é benéfico para a economia, porque há liberdade transversal, a todos os níveis. Vou dar o exemplo dos Estados Unidos. Conhecem a cadeia de hotéis Marriot?
Sim.
Esta cadeia foi fundada por uma minoria religiosa nos Estados Unidos, os mórmons.  Por volta do século XVIII, os mórmons andaram em guerra com o país e o governador de um estado emitiu uma ordem de extermínio. Ou saíam do estado ou eram mortos. Felizmente, isto não alastrou ao resto dos EUA. Se tivesse acontecido, não haveria hotéis Marriot. As minorias religiosas têm muita força e nunca sabemos de onde vem a próxima grande ideia de negócio.

Permita-nos perguntar. É religioso?
Sim, sou! Fui protestante até 1994. Depois tornei-me católico. É curioso, porque é mais comum o contrário.

Porque decidiu converter-se?
Pesquisei muito ao longos da minha carreira sobre as várias formas de fé. O catolicismo é muito complexo a um nível espiritual e social. Achei o ideal para mim, a combinação perfeita de espiritualidade profunda.

E relativamente a pressões? A religião é um lobby?
Certamente! Todos os grupos religiosos fazem lobby. A igreja católica, por exemplo, tem uma estrutura religiosa, mas também política. Têm um secretário de estado, um representante em cada país e até um lugar na ONU. Nesse sentido, este “estado” faz lobby por assuntos que acha ser importantes. Isto é mais uma das características da liberdade religiosa. A religião participa ativamente na vida das pessoas.

E as pessoas estão cientes da influência que os grupos religiosos exercem?
Não. Vou-vos dar dois exemplos. O Papa Francisco veio aos EUA há uns anos na mesma altura que Li Keqiang, o primeiro-ministro da China. Todos os media seguiram o Papa e deixaram Keqiang para segundo plano. Ele notou isso e deve ter pensado: “Este homem é só um líder religioso e é tão popular. Não tem militares, não tem uma economia como a nossa”. Isto mostra o impacto que a religião tem no quotidiano das pessoas. O outro exemplo vem de um estudo que fiz. Nos EUA, a religião adiciona 1,2 biliões de dólares à economia americana. Isso é mais do que a Google, a Apple, a Microsoft e a Amazon juntos. Estamos aqui na Web Summit e vemos que a religião gera mais dinheiro por ano do que todos os gigantes da indústria tecnológica. Quando publiquei o estudo, o jornal “The Guardian” fez o artigo. As pessoas ficaram tão surpreendidas que o partilharam 18 mil vezes.

E de onde vêm as receitas dos grupos religiosos? Não pode ser só de donativos.
Há donativos, apoios dos governos através de impostos, como acontece na Alemanha, mas a grande fonte de receita é a criação de negócios. A Igreja Adventista do Sétimo Dia, um grupo protestante, criou uma empresa de sumos de uva no Brasil, que é considerada a melhor. Os fiéis deste grupo não bebem álcool e tiveram uma ideia brilhante. Aqui em Portugal, as melhores uvas são usadas para produzir vinho. Eles fizeram uma reserva com as melhores uvas e criaram um sumo premium, que ajudou a suportar a empresa e ao grupo religioso.

Vamos voltar à questão da liberdade religiosa? Estamos a evoluir nesse sentido?
Não. Infelizmente estamos em declínio.

Porquê?
Houve uma alteração na tolerância desde o 11 de setembro de 2001, que continuou com a guerra assimétrica com grupos como a Al Queda ou o Daesh. Como usam a religião para justificar os ataques, os governos responderam com formas de minimizar os impactos, mas acabaram por colocar restrições à liberdade de praticar religião. Não é o Islão o problema. Não são as religiões o problema. São os fanáticos. Enquanto a religião for vista como o problema e não como parte da solução, a ideia de liberdade religiosa vai ser menos apoiada até entrar em deterioração.

E que tendências religiosas têm mudado no mundo?
Nas sociedades ocidentais, há muitas pessoas a abandonar a fé. Na Europa houve um grande fluxo de migrantes muçulmanos, mas há uma grande parte da população nativa e que é muçulmana a abandonar a fé, tal como acontece com o cristianismo. Acontece menos nos EUA e em África.

“Nos EUA, a religião adiciona 1,2 biliões de dólares à economia americana. Isso é mais do que a Google, a Apple, a Microsoft e a Amazon juntos.”

Portugal é considerado um Estado laico, mas a igreja católica continua enraizada na sociedade portuguesa. Alguma vez analisou o caso português?
Sim e reparei que há duas coisas que operam. As igrejas devem ter a liberdade de fazer parte da vida pública do país. Liberdade religiosa não significa que o culto tem de estar nas sombras ou na vida privada das pessoas. Tem de fazer parte da cultura do país, como acontece cá. Ao mesmo tempo, a igreja não nomeia o Presidente da República, o primeiro-ministro, nem controla a legislação. A liberdade está salvaguardada, mas há uma separação. Portugal é um bom caso de equilíbrio entre os dois poderes.

Mas Donald Trump recorre muito a Deus no discurso político que usa. O que acha disso?
O que ele faz é sempre um perigo. Quando um político usar a religião para fins políticos está a colocar muito em risco, como vos expliquei com o caso de Jacarta. Estamos a errar ao manter a religião e a vida política associadas. No entanto, qualquer político deve ser livre de expressar a fé em que acredita. Nos EUA também temos o outro lado da moeda. Somos um país com uma grande diversidade religiosa, mas temos o slogan “In God We Trust”. Um político como Trump vê que a autoridade moral está acima da autoridade normal das pessoas e coloca-a em Deus.

A diversidade religiosa é sempre benéfica?
Sim, se for bem aplicada. Deve haver respeito mútuo e compreensão. O que não pode haver é más interpretações e usar a religião para cometer crimes. Vamos a um exemplo radical. O sacrifício humano é crime e não é justificável em nenhum sentido. Podemos operar livremente na religião, mesmo que haja visões “estranhas”, desde que não desobedeça à lei.

E não costuma haver conflito com os direitos humanos?
Sim, muitas vezes. A ONU promove a liberdade de religião, mas também promove, por exemplo, os direitos das mulheres. Se a igreja católica seguisse os direitos humanos by the book, então teríamos mulheres como padres. Cada religião aproveita aquilo que não mexe com as suas conceções. Se por um lado respeitam alguns direitos, violam outros em situações diferentes.

E como vê Portugal e o peso que a igreja católica tem na economia nacional?
É um estudo que nunca fiz, mas posso assumir que deve ser substancial. Em Portugal, a cultura do país é indissociável da igreja. Há igrejas em todas as cidades e, muitas vezes, nos centros. Continua a ser um lugar de reunião.

Mas vemos muitos jovens que não vão à igreja.
Isso é algo que já estudamos em Portugal e é normal. Jovens na casa dos 20 anos costumam abandonar, porque deixam de acreditar. Mas o nosso estudo viu que o número de pessoas que sai é igual ao número de pessoas que volta a entrar, porque à medida que as pessoas casam e constroem família tendem a regressar, porque voltam a acreditar.

E acha que algum dia haverá um mundo sem religiões?
Não conseguimos projetar isso em qualquer cenário. As pessoas tendem a ter fé, ainda que a fé pessoal seja diferente de todas as outras. A religião é cada vez mais um ponto de encontro e de pertença na sociedade. Os próprios grupos religiosos estão a mudar a abordagem para envolver e atrair mais pessoas. A religião não vai morrer, vai mudar.

Artigo editado por Filipa Silva