Marco Novais vende banda desenhada desde 2002. Foi nesse ano que entrou na livraria Mundo Fantasma, situada no Centro Comercial Brasília, no Porto – a maior loja dedicada à Banda Desenhada em Portugal, este ano a comemorar um quarto de século. Desde que começou a fazê-lo, o mercado tem vindo a mudar de forma positiva. “Tenho notado um crescimento bastante grande, tanto ao nível de edições como também ao nível do público”, refere ao JPN. O vendedor atribui este incremento nas vendas ao cinema e à televisão. “Agora com a televisão, com o cinema, cada vez mais é cool ser-se geek”, observa.

“Muitas vezes as pessoas veem um filme que gostam e depois ficam curiosas e querem ler a obra original de que foram adaptadas”, diz Marco Novais. “E como, regra geral, o livro é melhor que qualquer adaptação, em princípio vão gostar mais do livro”, acrescenta.

Contudo, as vendas não se repartem de forma igual. Há uma clara preferência pelas duas principais editoras de banda desenhada norte-americanas – Marvel Comics e DC Comics. “Basicamente, é ela por ela”, conta ao JPN.

Apesar da preferência do consumidor por Marvel Comics e DC Comics, o mercado não se tem limitado a estas duas editoras. “Cada vez mais tem havido procura por ficção, em geral, e a Image Comics tem sido a grande editora que tem revolucionado este panorama de comics”, confessa.

Marco diz que a aposta em “bons escritores, bons ilustradores e numa variedade de temáticas” tem garantido à editora uma posição de força no mercado. O fenómeno “The Walking Dead”, publicado pela Image Comics, é apontado como o principal trunfo da editora norte-americana.

“A Image, sem dúvida, tem sido a editora que mais tem puxado pelas restantes. Quando alguém se destaca, as outras [editoras] todas têm ao mesmo tempo que tentar competir, portanto, é sempre bom haver alguém que puxe”, adianta.

Entre as temáticas de banda desenhada, são os livros com super-heróis que recolhem a preferência dos consumidores. Contudo, considera ser redutor achar que banda desenhada se limita a este tipo de livros. Marco prefere combater “aquela visão mais limitada de que comics é [sinónimo de] super-heróis, ou Disney ou Tintim ou Astérix” .

Ameaças da era moderna

Apesar do crescimento que tem registado, o mercado de banda desenhada não deixa de ser afetado por diferentes fatores, de que é exemplo a facilidade com que se acede a um livro através do computador. Ciente desta realidade, e de como isso afeta o mercado, Marco faz uma comparação com outras indústrias. “Não somos melhores do que a indústria da música, ou do cinema, ou dos DVDs. Acaba sempre por haver alguma quebra nesse sentido”.

Mas, no caso da banda desenhada, as compras físicas ainda têm o seu valor. A experiência sensorial é completamente diferente de ter um livro em mãos comparativamente a lê-lo através de um ecrã. O colecionismo ajuda também ao não declínio das compras físicas, com clientes que gostam de guardar os comics para “aproveitar se um dia calha de vir cá algum autor também ter uma capa assinada”.

A potencial ameaça de grandes lojas, também não é motivo de preocupação. Segundo Marco, a secção de banda desenhada “de grandes megastores é sempre muito reduzida”.

O comerciante da Mundo Fantasma defende também a importância do seu papel no apoio ao cliente: “é importante ter alguém que esteja à frente e que impulsione as vendas. É importante como vendedor nós mostrarmos e explicarmos”.

Steven Spielberg, realizador de filmes como “Salteadores da Arca Perdida” e “Parque Jurássico”, disse em 2015 que os filmes de super-heróis iriam seguir o mesmo caminho que os westerns, ou seja, que apesar de estarem na moda, eventualmente iriam desaparecer. Confrontado com esta afirmação, Marco mostra a sua discordância. “Se estamos a falar de modas, esta já começou há dez anos”, ironiza o vendedor.

Uma grande dificuldade na vida de um vendedor de banda desenhada é mudar a mentalidade de quem vira as costas ao formato literário por considerar a leitura destes escritos um ato infantil. “É que muita gente pode estar mal informada, mas poderia ter algum interesse, e há outros que não querem realmente saber”, lamenta.

O público mais velho é o mais difícil de conquistar. “O ideal também é tentar pôr a ler já numa idade mais jovem e depois ir manter sempre esse gosto”. A banda desenhada, à qual foi atribuída o título de nona arte, “acaba por ser sempre aquele filho mais mal-amado dentro da literatura porque tem sempre essa conotação de que é para um público mais infantil e que tem um tipo de obras menor”, o que, para Marco, não representa a realidade.

O caso português

Portugal não põe de parte os seus potenciais na “nona arte”. Alguns artistas, como Jorge Coelho e João Lemos, já trabalharam para a Marvel Comics. Marco diz que as grandes editoras americanas não estão a “roubar” os talentos portugueses. “Eu acho que é ao contrário. A América está é a divulgá-los”. A forte presença internacional das grandes editoras “consegue levar a um público muito maior esse tipo de trabalhos de autores que eram menos conhecidos”.

Portugal tem também apostado em eventos focados na banda desenhada. O Festival Amadora BD, que terminou a sua 28ª edição na semana passada, conta anualmente com exposições, lançamentos editoriais e a presença de autores portugueses e estrangeiros de banda desenhada.

A Comic Con Portugal, inaugurada em 2014, é outro evento com banda desenhada na sua génese. A edição do ano passado atraiu mais de 72 mil visitantes. Contudo, Marco afirma que “a Comic Con também vive muito da parte da televisão e do cinema, porque se fosse um certame só de banda desenhada não teria nem um décimo do impacto e das pessoas que vão visitar”.

Quanto à venda de banda desenhada em Portugal, o país ainda tem um número limitado de lojas. Questionado sobre um eventual investimento na área da venda de banda desenhada, Marco Novais diz que tal não é muito aconselhado. “Ainda assim com este crescimento todo acaba por ser um mercado muito reduzido”.

A Mundo Fantasma, de onde Marco Novais é funcionário e cliente ativo, é uma das poucas lojas de banda desenhada no país e celebra este ano 25 anos de história.

Artigo editado por Filipa Silva