A Universidade do Porto foi a primeira universidade portuguesa a adquirir um computador digital automático.

Em dezembro de 1967 foi entregue à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) um NCR Elliott 4100 de 16kb (24 bits), resultado da vontade e empenho de Rogério Nunes, professor catedrático da instituição e investigador na área da Matemática Aplicada. Desde o seu falecimento, em 2000, que o professor Francisco Calheiros tem vindo a trabalhar no acervo do seu antigo amigo e professor.

Muito mais do que uma máquina de calcular

De acordo com a pesquisa de Francisco Calheiros, o dinheiro para comprar o computador – 20 mil contos, cerca de 100 mil euros na moeda atual – chegou em 1965. A origem do dinheiro estará ligada ao cancelamento da organização das Universíadas, uma espécie de jogos olímpicos para estudantes universitários, que iam ser realizadas em Portugal, em Lisboa, em 1969, e que representavam um enorme investimento do Estado.

Cancelado o evento – há testemunhos que relatam uma desistência de última hora do Governo já liderado por Marcello Caetano por receio da entrada de comunicação social estrangeira no país – sobrou dinheiro da organização. Parte dele terá, então, servido para financiar a chegada do NCR Elliot 4100 à UP. “Aparecerem esses 20 mil contos do céu foi excelente”, comenta Francisco Calheiros.

Ficam, no entanto, algumas dúvidas relacionadas com as datas, uma vez que o cancelamento das Universíadas foi tornado público em 1968 e o computador chegou à UP no ano anterior.

A compra da máquina, explica Francisco Calheiros, era importante não pela novidade mas pelo elevado número de alunos do professor Rogério Nunes. O computador, bastante mais pequeno, que existia no Laboratório Nacional de Engenharia Civil não era suficiente para o docente e para os seus 120 alunos.

Na altura em que a “Hermengarda” – como acabou por ser batizado o computador (ver caixa) – foi adquirida, tratava-se da peça mais cara que havia no país naquele momento, excluindo edifícios e pontes, e, embora houvesse outros computadores no país, nenhum era tão avançado quanto este. “Não havia nada mais caro no país e, vejam bem, no Porto!”, enfatizou.

“Aparecerem esses 20 mil contos do céu, foi excelente.”

O computador veio para o Porto por outra razão, também. O professor Rogério Nunes já tinha todo o processo organizado. Estava em condições para o comprar. Sabia o que queria, quem vendia, quanto custava.

O NCR Elliott 4100 foi, então, entregue à FCUP, em 1967, e instalado no rés do chão da Biblioteca Geral da FCUP, onde hoje está instalada a Reitoria da universidade.

Foi, porém, necessário esperar um ano para que o computador fosse apresentado publicamente numa cerimónia que contou com a presença do então ministro da Educação, Inocêncio Galvão Teles.

O temperamento difícil da “Hermengarda”
Entre os seus utilizadores, o NCR Elliott 4100 ganhou um epíteto feminino e ficou conhecido como “Hermengarda” “devido ao seu comportamento temperamental. Ou seja, a máquina por vezes empancava e os seus processos rudimentares, vagarosos e complicados punham os nervos em franja a muitos utilizadores”, como descreve Carlos Madureira, professor catedrático da FEUP na revista U.Porto Alumni.

A partir daí inaugurou-se o LACA – Laboratório de Cálculo Automático da FCUP, uma unidade com cerca de 15 colaboradores que dava apoio técnico e administrativo aos utilizadores do computador, liderado por Rogério Nunes.

“Este computador fez coisas incríveis. Não vale a pena estar com ilusões, era um avanço extraordinário para a sociedade portuguesa”

Destinado, sobretudo, ao cálculo científico, o computador manteve-se funcional durante 15 anos e tinha acesso totalmente livre, tanto para professores como para alunos.

Serviu mais do que toda a Universidade do Porto. Também várias pessoas de Lisboa deslocavam-se ao Porto para fazer a correção dos programas no Elliott 4100. Teve o impacto suficiente para formar gerações de cientistas e engenheiros, conta ao JPN Francisco Calheiros.

Nele ter-se-ão iniciado na informática cerca de três mil alunos. A estes juntam-se vários investigadores, físicos, biólogos e médicos que o utilizaram para desenvolver importantes avanços pedagógicos e científicos.

Percebe-se, então, a capacidade do computador. Uma máquina capaz de verificar cálculos de barragens e pontes. “Este computador fez coisas incríveis. Não vale a pena estar com ilusões, era um avanço extraordinário para a sociedade portuguesa”, afirmou o professor.

A história do Elliott 4100 permaneceu guardada até 2013, ano em que a biblioteca pessoal de Rogério de Sousa Nunes foi doada à Biblioteca da FCUP por vontade expressa do professor.

No dia 15 de fevereiro, o Professor Francisco Calheiros homenageou o homem e a máquina, 50 anos depois. Foto: Alexandra Denise Pinto

Desde então, Francisco Calheiros, aposentado do Departamento de Engenharia Civil da FEUP, tem vindo a trabalhar o acervo do docente – que inclui mais de 1.400 livros e espécimes bibliográficos e documentais de grande valor científico e académico.

Fazer o  levantamento de todo o processo que levou à aquisição, instalação e operação do NCR Elliott 4100 é o foco do trabalho.

Os 50 anos do primeiro computador da universidade portuguesa

É esse espólio que vai ser recordado e serve agora de base ao ciclo de eventos evocativos preparados pela FCUP.

Foram celebrados, no dia 15 de fevereiro, os 50 anos do NCR Elliot 4100. A sessão, coordenada pelo professor Francisco Calheiros, encheu, por completo, um anfiteatro da FCUP com a intervenção de diversos protagonistas de há cinco décadas.

Rogério Nunes recebeu uma homenagem e foi recordado com alegria e muita nostalgia à mistura. As celebrações prosseguem e o próximo evento tem data marcada para dia 15 de março, com a abertura de uma exposição evocativa na Biblioteca da FCUP.

“Uma máquina que não para”

Numa altura em que se vulgariza o uso dos smartphones, computadores portáteis, tablets e outros dispositivos eletrónicos portáteis, é talvez difícil perceber que na década de 60 os computadores eram máquinas que ocupavam uma sala completa.

De processamento lento, memória limitada e complicações de operação, algumas dessas máquinas que estão ultrapassadas nos dia de hoje eram, naquele tempo, verdadeiras sofisticações tecnológicas.

O Elliott 4100 era bastante evoluído para a época, até porque Rogério Nunes teve a preocupação de estudar todo o processo previamente. Mas pouco se faz com apenas uma pessoa. Francisco Calheiros faz questão de relembrar que Rogério Nunes se rodeou de uma jovem equipa, eficaz, serena, segura, muito competente e que, sem este computador, estávamos, ainda, 30 anos “atrasados”.

À conversa com o JPN, sobrou, também, uma reflexão. Na opinião de Francisco Calheiros, a Universidade do Porto devia dedicar a estas máquinas um espaço museológico à semelhança do que faz, por exemplo, no campo da Biodiversidade: “Os nossos cérebros já são diferentes, muito devido ao Elliott 4100. Nós já somos diferentes. Por vezes, é preciso voltar atrás para poder ir para a frente. Um povo sem memória é um povo sem futuro. A musealização é fundamental”, diz Francisco Calheiros. “Destruir esta máquina é quase como destruir o Afonso Henriques”, referiu ainda.

De resto, aconteceu o que Francisco Calheiros disse na última vez que conversou com Rogério Nunes: “Vai fazer-se história. E fez-se.”

Artigo editado por Filipa Silva