No seu relatório anual do Estado dos Direitos Humanos no Mundo, divulgado esta quinta-feira, a Amnistia Internacional (AI) destaca a existência de discriminação em relação às minorias de origem africana e cigana, no plano da habitação, em Portugal.

O organismo aponta também falhas no acolhimento de refugiados no país, no âmbito do programa de recolocação da União Europeia. A violência contra os presos e condições nas prisões também é motivo de preocupação da AI. Outra questão é a violência contra a mulher na forma como é vista em Portugal.

Como nota positiva é mencionada a proposta de lei do Governo, ainda em discussão, que tem por objetivo aumentar a proteção dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Intersexo (LGBTI).

Discriminação racial no direito à habitação e despejos forçados

É um dos aspectos que segundo Paulo Fontes, diretor de comunicação e campanhas da Amnistia Internacional de Portugal, merece “atenção redobrada”. Pessoas de origem africana e de etnia cigana continuam a viver em habitações inadequadas e a sofrerem de discriminação, segundo a entidade.

As comunidades ciganas, socialmente vulneráveis e discriminadas, “têm muitas vezes mais dificuldades até mesmo no acesso a empregos e a salários dignos ficando numa dupla situação de vulnerabilidade.”

Minorias carecem de novos programas de habitação.

Paulo Fontes destaca a visita, em fevereito, da Relatora Especial da ONU para o direito à habitação condigna, Leilani Fahra, que incentivou as autoridades portuguesas a terem como prioridade a construção de casas para substituir bairros de lata e evitar que os despejos resultem em sem-abrigo.

“A habitação condigna tem que ser uma prioridade que garanta que os desalojamentos e as demolições não resultem em que as pessoas e comunidades, que já são vulneráveis, fiquem numa situação ainda pior”, afirma Paulo Fontes ao JPN.

No que diz respeito a alternativas, são precisos “novos programas de habitação, nomeadamente para pessoas de ascendência africana e de outras comunidades que muitas vezes são discriminadas”, destaca Paulo Fontes.

José Falcão, da associação SOS Racismo, acrescenta que nesta realidade também estão inseridos “os mais pobres, que com o aumento das rendas não as conseguem pagar o que empurra as pessoas para fora do centro da cidade”.

Falhas no acolhimento de refugiados 

Portugal, segundo o relatório anual da AI, comprometeu-se a alojar cerca de três mil refugiados, mas apenas acolheu 1.518 vindos da Grécia e Itália. E, dessa metade, 720 já tinham saído do país até ao final de 2017. É uma questão que preocupa a Amnistia Internacional que quer saber o porquê desta situação.

“Portugal cumpriu as suas obrigações internacionais e acolhe bem os refugiados”, realça o CPR.

Em declarações ao JPN, Teresa Tito Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados, contesta a visão da AI: “Portugal cumpriu as suas obrigações internacionais e acolhe bem os refugiados”, realçou.

A responsável reconhece, contudo, que “há um caminho longo a percorrer no sentido da agilizar procedimentos que visam a uma melhor integração”. Existem lacunas, concede, sobretudo na área da habitação e numa orientação mais alargada para a integração das pessoas.

Acrescenta que estas lacunas se devem aos “atrasos na documentação, no reconhecimentos das qualificações que as pessoas trazem dos países de origem e na empregabilidade. Mas a maior falha é no mercado da habitação e isso tem criado alguns problemas para o acolhimento destas pessoas.”

Violência contra a mulher

No caso da violência contra mulheres, a AI lembra o episódio em que o Tribunal da Relação do Porto suspendeu uma sentença contra dois homens acusados de violência contra uma mulher. No texto que foi no entretanto tornado público, o adultério – que terá estado na base do ataque de que a mulher foi alvo – é tratado como “um ataque sério à honra e dignidade do homem”, facto que merece a crítica da AI.

É importante a mudança de mentalidades ao nível da educação para a igualdade de género.

É importante a mudança de mentalidades ao nível da educação para a igualdade de género. Foto: Linda Melo

Para Paulo Fontes, apesar de o Conselho Superior da Magistratura ter aberto um procedimento disciplinar contra os juízes, tal “não minimiza e não desculpa o passo anterior”. “As pessoas não podem ouvir respostas destas em tribunal”, sintetiza.

“Uma mudança de mentalidades ao nivel da educação para a igualdade de género e programas de educação para os direitos humanos são muitos importantes. A partir daí, pode começar-se a dar passos mais assentes para uma mudança cultural e de mentalidades”, conclui.

Violência sobre os presos e condições nas prisões

A Amnistia Internacional demonstra preocupação também com a violência nas detenções, tortura em pessoas sob custódia, as condições de detenção nas prisões e em prisão preventiva. Realçou ainda a situação de pacientes em unidades psiquiátricas portuguesas.

O relatório anual refere a propósito, o processo de que são alvo 18 agentes da polícia, na Amadora, por maus-tratos a seis homens de ascendência africana, em fevereiro de 2015. Os policias foram acusados de tortura, prisão ilegal, abuso de poder e ofensas racistas.

Direitos LGBTI e proteção de minorias sexuais contra o ódio

Os direitos das minorias sexuais e a criação de medidas de proteção contra situações de discriminação são exemplos de pontos positivos referidos pela Amnistia Internacional no relatório.

O direito à autodeterminação no reconhecimento legal da identidade de género – isto é, poder dispensar um relatório médico num processo de mudança de género – previsto no diploma proposto pelo Governo sobre a matéria (ainda em discussão na Assembleia da República) é aplaudido. Trata-se, na visão de Paulo Fontes, de “uma lei inclusiva”.

“Falta-nos ainda a criação legal de um terceiro género”, acrescenta.

“Já temos muitas leis nesse sentido – a igualdade de acesso à família, ao casamento, à adoção, à não discriminação -, mas falta-nos ainda, e nesta lei especificamente, a criação legal de um terceiro género”, acrescenta.

O Parlamento também quer alargar a proteção contra a discriminação, tornando crime o incitamento ao ódio e à violência. “O código penal foi alterado, durante este ano, para incluir mais motivações de conduta discriminatória”.

“É um dado bastante positivo em termos de legislação contra a discriminação etnico-racial e mesmo de género”, acrescenta.

A criação de programas que afastem os “resquícios de descriminação que ainda possam existir” também é importante, mas “infelizmente ainda vimos acontecer durante o ano passado alguns episódios de discriminação”.

Análise internacional

Numa análise mais internacional, a organização, nota Paulo Fontes, alerta para a “disseminação de um discurso de ódio, medo e divisão pelos lideres políticos mundiais”.

A revisão das leis de imigração nos Estados Unidos, o tratamento dado aos refugiados na Hungria ou o tratamento dos cristãos no Egipto são apontados como exemplos de preocupação.

A AI assinala ainda os casos da Venezuela, Tunísia e Irão onde “manifestantes se juntam e criam os seus movimentos para reivindicar as suas liberdades porque sentem que os governos já não atendem a essas necessidades”, conclui Paulo Fontes.

O relatório da Amnistia Internacional 2017/2018 abrange 159 países e desenvolve uma análise ampla sobre o estado dos Direitos Humanos ao nível mundial.

Artigo editado por Filipa Silva