Num jogo de futebol erram jogadores, treinadores e árbitros. A evolução do jogo encarregou-se de alertar que o caminho mais óbvio para justificar insucessos desportivos consistia em apontar responsabilidades à autoridade suprema. Em média, um árbitro toma 245 decisões por encontro e erra cinco. Só que num Campeonato do Mundo, principal palco futebolístico de seleções, um equívoco flagrante pode acarretar consequências pesadas para o destino de qualquer profissional.

A incerteza sobre golos em Mundiais já leva mais de meio século. Na final de 1966, Inglaterra e Alemanha Ocidental ficaram empatadas a duas bolas no tempo regulamentar. Foi preciso prolongamento para decidir o vencedor do torneio realizado na pátria-mãe do futebol. Aos 101 minutos, Hurst foi servido na grande área por Alan Ball. O avançado inglês chutou contra a trave e a bola queimou a linha de golo antes de ser intercetada pelos defesas germânicos. Atravessou ou não totalmente o traço caiado de branco? Talvez não. O árbitro Gottfried Dienst ficou com dúvidas e consultou um dos seus assistentes. Bakhramov acenou com a cabeça com uma confiança tal que ofereceu uma vantagem irreparável (4-2) ao conjunto da casa. A Inglaterra venceria o seu primeiro e único Mundial.

Vinte anos depois, na fase de grupos do Mundial mexicano, o Brasil estreou-se com uma curta vitória (1-0) sobre Espanha. Sócrates marcou a diferença a favor do “escrete”, que manteve a sua baliza inviolável graças ao juiz australiano Christopher Bambridge. Antes do golo, numa subida à área canarinha, Antonio Maceda chutou contra a barra e a bola cruzou a linha em mais de 20 centímetros. O golo não foi validado, mas os dois países acabaram por seguir para as eliminatórias.

Já em 2010, no Mundial da África do Sul, mais um capítulo de golos-fantasmas. Alemanha e Inglaterra encontraram-se em Bloemfontein para os oitavos. Os britânicos tiveram um início desastroso, provocado pelos tentos de Miroslav Klose e Lukas Podolski, mas reagiram ainda no primeiro tempo com um cabeceamento de Matthew Upson. 53 segundos depois, numa resposta a todo o gás da formação comandada por Fabio Capello, Frank Lampard fez um chapéu a Manuel Neuer. O remate embateu na parte inferior da trave, ressaltou para dentro da baliza, retornou ao ferro e morreu nas mãos do guarda-redes germânico.

Sem nunca bater na rede, a bola alojou-se 33 centímetros para além da linha de fundo. As imagens televisivas não deixaram dúvidas em relação à validade do golo. Só os árbitros é que entenderam o contrário, ao não validarem o golo que daria o empate ao conjunto britânico. “Foi um remate muito rápido que não vi corretamente, apesar de estar no lugar certo. Só quando vimos pela televisão é que percebemos o que aconteceu”, lamentou Jorge Larrionda. O jogo prosseguiu sob controlo da Alemanha, que ganhou por 4-1 e fez terceiro no Mundial 2010. O juiz uruguaio foi afastado da competição e terminou a sua carreira no ano seguinte, aos 43 anos.

Por muita aversão manifestada pela FIFA em relação à tecnologia de linha de golo, toda esta peripécia acentuou a necessidade de contornar o erro humano com recurso computacionais. Assim sendo, o olho de falcão foi aprovado em 2012 pelo International Football Association Board, o órgão que regulamenta as regras do futebol. Dois anos mais tarde estava a ser experimentado no Mundial do Brasil. A tecnologia de golo utiliza sete câmaras em cada baliza, que juntas permitem uma monitorização em três dimensões. Sempre que a bola cruza a linha, as câmaras detetam e é emitido um aviso para um relógio usado pelo árbitro.

Lampard consolou-se pela importância daquele lapso para o avanço tecnológico da modalidade. “Mudou o jogo para melhor e estou satisfeito com isso. A introdução da tecnologia da linha de golo, no geral, é uma medida positiva para o futebol como um todo”, confessou o médio inglês em 2014. Quatro anos depois, chegou a hora do vídeo-árbitro. Os erros históricos estão com os dias contados.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.