Estima-se que 25% dos portugueses sofram de alguma doença mental. Destes, 400 mil foram diagnosticados com depressão e apenas um terço recebe a ajuda adequada, de acordo com dados relativos a 2016 fornecidos pela Ordem dos Psicólogos.

Sabemos do elevado número de doentes e do crescimento de ocorrências mas afinal o que é a depressão? Que consequências traz a quem sofre desta patologia?

Joana Fernandes, licenciada em Psicologia Clínica, com Mestrado em Psicologia da Dor e 15 anos de experiência profissional, afirma que a depressão “é uma doença psicológica associada a sintomas físicos”.

“O cérebro de um deprimido encontra-se profundamente alterado. Os ciclos do sono alteram-se, o apetite também, a pessoa tem dificuldade em manter e dirigir a atenção. Na depressão endógena, existem alterações ao nível físico, que vão condicionar toda a vida do indivíduo”, explica em entrevista ao JPN.

Apesar de os sintomas de depressão serem por vezes confundidos com tristeza, “estar em baixo” ou até preguiça, para a psicóloga “é essencial valorizamos todos os casos de depressão, pois esta é uma patologia muito grave e que não pode ser ignorada.”

É comum os familiares de um deprimido não entenderem a patologia e porem em causa os sintomas.

Por vezes, a perceção social das doenças mentais não ajuda ao processo de tratamento. “O estigma e o preconceito ainda estão muito presentes em relação a todas as doenças mentais e é claro que isto influencia demasiado a forma de encarar estes doentes”, nota ainda a especialista.

Paula enfrenta a doença há cinco anos

O nome é fictício, mas chamemos-lhe Paula. De origem brasileira, cresceu muito próxima de um tio. Este homem acompanhou os seus primeiros  passos. Foi sempre uma figura paternal para Paula. Para ela, a depressão começou há cinco anos, quando o tio morreu de doença oncológica. No testemunho enviado ao JPN, Paula diz que com o desaparecimento do tio, uma parte dela desapareceu: “nunca mais fui a mesma que sempre fui antes”, referiu.

A sua história toca noutros pontos importantes de quem lida com a doença. Por um lado, não se sentiu compreendida pela família, por outro não queria aceitar que tinha depressão. Começou a automedicar-se e só procurou um psiquiatra passados quatro anos. Foi diagnosticada com depressão, síndrome do pânico entre outras patologias e começou a ser medicada corretamente.

Para Paula, o mais difícil foi não ter a compreensão da família: “Só sabem cobrar dizendo que eu tenho que voltar a ser o que eu era antes, a pessoa alegre de sempre.”

Joana Fernandes admite que “é comum os familiares de um deprimido não entenderem a patologia e porem em causa os sintomas”.

“A depressão afeta determinantemente a vida do indivíduo e também dos indivíduos mais próximos. Por vezes, a família acaba por não ter o comportamento mais adequado. Naturalmente, as pessoas que fazem parte dos doentes depressivos, têm um papel determinante no processo de cura. É muito importante para o doente saber que não está sozinho e que há esperança e luz no fundo do túnel. É essencial a disponibilidade para ajudar, estar presente, sem imposições e sem cobranças”, refere ao JPN.

É muita cobrança para eu voltar ser como era antes, pedindo para eu voltar a ser a Paula… isso é o que dói mais.

Segundo a especialista, os sintomas de depressão têm uma grande influência no humor e na relação com os outros: “O indivíduo sente-se paralisado, porque se sente incapaz de enfrentar o perigo. Nos casos mais graves, o desejo de viver encontra-se substituído pelo desejo de morrer”, esclarece.

O testemunho de Paula, agora na casa dos 30 anos, corrobora a ideia: “Eu não gosto de sair para lugar nenhum. Só fico em casa. Não gosto de receber ninguém em minha casa também. Tudo me irrita. Vontade de morrer o tempo todo”.

Para além destes aspetos, a ignorância da sociedade em relação aos efeitos desta doença provocam nos pacientes um grande sentimento de culpa por não conseguirem estar bem.

“Quem me conheceu no passado, não me aceita como estou hoje. É muita cobrança para eu voltar ser como era antes, pedindo para eu voltar a ser a Paula… isso é o que dói mais. Eu até quero mas não sei”, refere.

Joana Fernandes lembra que “quando existem cobranças em relação ao que o doente deveria fazer, isso acaba por tornar o processo ainda mais difícil, a pessoa acaba por se sentir ainda mais incapaz de enfrentar os problemas.”

Alguns tratamentos não se fazem sem medicação

Paula procurou um psicólogo mas, devido a ser um tratamento sem resultados a curto prazo, e tendo em conta os custos, apenas compareceu por três vezes às consultas.

O número de psicofármacos prescritos em Portugal – aproximadamente 30 milhões de embalagens em 2016 – é muito alto comparado à baixa procura de psicoterapia, mas Joana Fernandes nota que “em casos mais graves, a medicação é essencial”. Quando um paciente não consegue dormir, não tem apetite, entra numa espiral que pode colocar em causa a sua saúde física. Nestes casos, adverte a especialista, “é obrigatória a utilização de terapêutica medicamentosa”.

Ainda assim “a psicoterapia é essencial para a remissão dos sintomas e para a compreensão da verdadeira causa para os problemas apresentados”, diz ainda. “Só assim, conseguiremos resolver a patologia. É claro que os custos de uma psicoterapia acabam por afastar o doente da mesma, fazendo-o afundar-se ainda mais na medicação. Aumentar os meios do SNS para obter apoio psicológico gratuito será também uma medida essencial para a sociedade poder ajudar estes doentes”, conclui Joana Fernandes.

Em Portugal, entre 2011 e 2017, os casos de depressão e ansiedade praticamente duplicaram. Apesar dos números, o acesso a tratamento terapêutico nos centros de saúde continua difícil. Apesar de existir um caminho a realizar, Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, em declarações ao Observador, comparou os progressos que se estão afazer no campo da saúde mental em Portugal  com os  “notáveis progressos que já foram feitos no âmbito da sida”.

Artigo editado por Filipa Silva