A situação política espanhola enfrenta um período de alta tensão, e a tendência é para aumentar. Com as contas do Estado chumbadas esta quarta-feira no Parlamento espanhol – uma série de emendas orçamentais foram aprovadas -, o governo de Sánchez enfrenta um momento de crise que deverá levar à convocação de eleições antecipadas.

Os partidos catalães, descontentes com o resultado das negociações com o governo central, juntaram-se à oposição nas votações para o Orçamento do Estado. O governo, que considerou ceder à nomeação de um mediador para as negociações com a Catalunha, como exigem os independentistas, não atendeu, contudo, à generalidade das exigências destes partidos independentistas e pagou a opção com o chumbo desta quarta-feira.

A cedência no que ao mediador diz respeito, no entanto, gerou revolta na oposição, que argumenta que nomeações do género não respeitam a Constituição espanhola. Pablo Casado, líder do Partido Popular (PP), acusa Pedro Sánchez de “alta traição” por aceitar a presença de um relator nas negociações com a Generalitat e não descarta a possibilidade de apresentar uma moção de censura.

De onde vêm as tensões em Espanha?

As tensões entre a esquerda e a direita espanholas têm origem histórica, com o peso de uma guerra civil e uma ditadura que acabou de forma transitória e sem uma rutura pela via revolucionária.

Mas, segundo Pedro Cordeiro, editor de Internacional do jornal “Expresso”, também os acontecimentos recentes contribuíram para o aumento dos conflitos e tensões no seio do panorama político espanhol. “Nos últimos tempos, houve mais tensões que têm crescido pelo facto de, por exemplo, este atual governo resultar de uma moção de censura, que derrubou o governo anterior e que pôs no poder alguém sem passar por eleições”, comentou ao JPN.

Pedro Sánchez chegou ao poder a 1 de junho de 2018 através de uma moção de censura a Mariano Rajoy, que contou com o apoio de vários partidos de esquerda e independentistas.

Pedro Cordeiro aponta também a questão catalã como um dos principais focos de tensão atual: trata-se de uma questão que “divide muito o país, porque põe em causa até a própria unidade de Espanha”.

O trato dado pelos partidos de esquerda aos movimentos independentistas origina na direita críticas e posições mais duras: acusam os governos do PSOE de serem “moles e brandos em relação ao nacionalismo catalão”, observa o jornalista.

O aparecimento de novos partidos, primeiro com o Podemos e o Ciudadanos e agora com o Vox, veio também baralhar o sistema político e partidário.  O período de crise e austeridade, a juntar a sucessivos governos de PP e PSOE “minados por casos de corrupção”, como nota Pedro Cordeiro, fizeram com que a população perdesse a confiança nos maiores partidos.

Orçamento de Estado: o que esperar?

O chumbo era previsível e, para Pedro Cordeiro, os mesmos partidos que foram essenciais para levar Pedro Sánchez ao poder exigem agora coisas que o governo espanhol não lhes pode conceder.

A nomeação de um mediador, que é uma das principais exigências do lado catalão, está na origem da revolta da direita porque “é algo que se usa em negociações de igual para igual”, plano rejeitado pelos nacionalistas. Sem mediador, o governo não pode contar com o voto dos independentistas.

Isso representa, “para um governo que é o mais fraco de sempre da democracia espanhola”, uma ação que não deixa margem de manobra, uma vez que o PSOE tem apenas 84 dos 350 deputados no parlamento.

Na eventualidade de eleições antecipadas, “o mais natural é que os três partidos de direita, incluindo o Vox, pudessem formar uma maioria absoluta”, considera Pedro Cordeiro. À semelhança da Andaluzia, também aqui um governo do PP podia ser viabilizado. Ainda que não fosse o primeiro governo de direita na história da democracia espanhola, “seria a primeira vez que haveria um governo apoiado pelo partido Vox, que é mais radical que o PP ou o Ciudadanos”, completa o jornalista.

As consequências de uma coligação à direita para o panorama político espanhol são difíceis de prever, uma vez que tudo depende do formato que o governo tomaria (se um governo do PP apoiado pelos outros partidos no parlamento ou um governo com ministros dos três partidos), mas Pedro Cordeiro aponta uma consequência mais direta: o processo catalão.

Um governo de direita, no que à Catalunha diz respeito, “seria muito menos dialogante com os nacionalistas catalães, e a hipótese de resolução e consenso do conflito seria muito mais improvável”, conclui.

Direita forma frente unida em manifestação no domingo

Partido Popular e Ciudadanos juntaram-se este domingo numa manifestação contra Pedro Sánchez, atual líder do governo espanhol, e pela convocação de eleições antecipadas, tendo também a participação do líder do partido de direita radical Vox, Santiago Abascal.

A manifestação contou com a presença de 45 mil pessoas, segundo o governo espanhol, e avançou sob o mote “Por uma Espanha unida, eleições já”. Também estiveram presentes elementos de pequenos grupos franquistas, como a Falange e a Espanha 2000.

Como esperado, Abascal foi o mais radical a discursar: apelidando o processo independentista de “golpe”, o líder do Vox exigiu a imediata suspensão da autonomia da Catalunha e a detenção de Quim Torra, “para restaurar a ordem constitucional e o Estado de Direito”.

O manifesto, lido na tribuna da manifestação por três jornalistas, denunciou uma “deriva suicida” de Sánchez e acusou o chefe do governo de “apunhalar a Espanha pelas costas” por ter “aceite as 21 exigências do secessionismo” – em alusão ao documento apresentado por Quim Torra, presidente da Generalitat.

O documento catalão, entregue em dezembro ao presidente do governo espanhol, consagra algumas das exigências feitas agora pelos partidos catalães. Entre estas constam, para além da mediação internacional, a libertação dos presos políticos catalães e o reconhecimento do direito à autodeterminação do povo da Catalunha.

Num cenário de eleições antecipadas, que Pedro Sánchez pondera marcar para abril, os três partidos de direita teriam apoio parlamentar suficiente para formar governo, segundo as sondagens mais recentes.

Artigo editado por Filipa Silva