Luís Onofre foi recentemente nomeado presidente da Confederação Europeia de Indústrias de Calçado (CEC) e sucederá ao italiano Cleto Sacripanti, já a partir de 24 de maio‬, no Porto. Esta é a segunda vez que um português assume os destinos da CEC. O designer falou com o JPN sobre os desafios do novo cargo, o ano difícil que o setor do calçado atravessou e a presidência da APICCAPS, que conduz desde maio de 2017.

JPN: Para quem não conhece, como explica a Confederação Europeia de Indústrias de Calçado?

LO: A Confederação Europeia da Indústria de Calçado representa toda a indústria europeia de calçado. Uma indústria constituída por cerca de 21.000 empresas, responsáveis por mais de 278 mil postos de trabalho.

Sente que, para além da distinção pessoal, a atribuição do cargo é uma reflexão da importância que a Europa atribui ao setor do calçado português?

Esta é, sobretudo, uma nomeação à indústria portuguesa de calçado. É uma prova de que, de facto, Portugal é um exemplo aos olhos dos outros países.

Afirmou que tenciona aproveitar a presidência para dar mais incentivos à indústria nacional e para avaliar situações que se passam no setor em toda a Europa. Que planos tem para a presidência da Confederação Europeia de Calçado?

Ainda é muito cedo para fazer planos. A CEC ainda é presidida, e bem, pelo meu colega italiano Cleto Sagripanti. Em maio, na altura da tomada de posse, poderemos fazer planos a longo prazo. Mas, naturalmente, queremos defender os interesses da indústria europeia de calçado.

Uma das suas preocupações é a criação de um comércio livre com regras e normas iguais para todos. De que forma esta implementação pode influenciar positivamente o setor do calçado?

Do ponto de vista de princípio, sempre defendi que o livre comércio, para além de ser justo, é o mais adequado e proporciona oportunidades a todos os players de mercado.

Disse que a questão da falta de mão-de-obra é uma das preocupações da CEC. Como se pode combater a falta de mão-de-obra no setor?

Atraindo jovens talentos para a indústria. No passado recente, a CEC já promoveu algumas iniciativas com esse cariz, que naturalmente pretendemos aprofundar nos próximos tempos.

O Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins afirma que a falta de mão-de-obra do setor se deve aos baixos salários e às perspetivas de carreira. Qual a posição da APICCAPS em relação a este assunto?

A APICCAPS e os sindicatos estão, de momento, a renegociar o contrato coletivo de trabalho. Temos vindo a criar uma relação leal com os nossos sindicatos. Só consigo interpretar essas declarações à luz de um processo negocial em curso.

Luís Onofre é presidente da APICCAPS desde 2017.

Luís Onofre é presidente da APICCAPS desde 2017. Foto: Tomás Monteiro

Uma das principais iniciativas como presidente da APICCAPS passou por promover uma campanha de atração de jovens para a indústria. Em que situação se encontra o projeto? Tem planos para tentar implementar a iniciativa a nível europeu?

Na última década foram criados sensivelmente 10 mil postos de trabalho na fileira de calçado em Portugal. Gostaria de destacar o facto de a indústria estar a apostar cada vez mais em profissionais competentes e qualificados, capazes de responderem às necessidades do mercado. Ainda é muito prematuro fazer avaliações dos projetos recentes, porque olhamos para o setor numa perspetiva de médio-longo prazo. A nível europeu, a confederação tem vindo a promover um conjunto de iniciativas que tornem o setor mais apelativo para as classes mais jovens.

O desenvolvimento de produtos inteligentes, novos materiais e a aposta na customização mantém-se como áreas a que deve ser dada atenção?

A diferenciação numa perspetiva mais lata, sendo ao nível do processo produtivo ou no desenvolvimento de produtos inovadores, será sempre uma prioridade para a indústria portuguesa de calçado, que se quer afirmar internacionalmente como uma grande referência à escala internacional.

De que maneira tenciona abordar as questões de sustentabilidade no setor, agora que os consumidores internacionais estão a evoluir e a procurar materiais alternativos à pele? Como é que este aspeto afeta o setor português que tem a tradição da utilização de peles?

Portugal, durante muito tempo, especializou-se na produção e exportação de calçado de couro. Trata-se, no essencial, da reutilização de peles usadas pela indústria alimentar, combatendo nomeadamente o desperdício em práticas menos nocivas para o ambiente. Simultaneamente, temos em Portugal um dos mais relevantes centros tecnológicos de calçado do mundo, definindo e concretizando políticas em matéria de adaptação ambiental. Também neste domínio, Portugal está na vanguarda, não só na reutilização das peles, como no desenvolvimento de outros materiais sustentáveis e amigos do ambiente. Nos últimos 3-4 anos surgiram vários projetos muito interessantes e com alguma escala de marcas eco friendly.

No ano de 2018, o calçado português interrompeu o ciclo de 8 anos consecutivos de crescimento das exportações. Que estratégias se pode adotar para alterar este cenário?

Os setores de atividade, numa perspetiva global, são feitos de ciclos. 2018 confirmou-se um ano difícil para a indústria portuguesa de calçado, como aliás o Fundo Internacional previa e a própria associação vinha já alertando há vários meses. Enfrentamos o ano sem dramas, com a convicção de que estamos a fazer o trabalho de casa necessário para que voltemos rapidamente aos ciclos de crescimento.

Qual considera ser o projeto implementado pela APICCAPS com melhores resultados desde que assumiu a presidência em 2017?

A presidência da APICCAP é um exercício de constância que pressupõe um trabalho diário e permanente sempre numa lógica de médio e longo prazo.

Artigo editado por César Castro