Entre 2007 e 2014, B Fachada lançou uma dezena de discos. Depois, abrandou consideravelmente o ritmo: “Fiz um sprint até aos 30, para depois poder fazer outras coisas”, resume o músico ao JPN. Agora, a meio da casa dos 30, tem nos filhos e na família os protagonistas do seu palco. Não será caso para falar em “Desamor“. Bem pelo contrário. São prioridades. Opções. Decisões de quem, como ele, não pratica habilidades.

Numa breve entrevista dada à margem das Quintas de Leitura, no Teatro do Campo Alegre, onde gosta regularmente de voltar, Bernardo Cruz Fachada abordou a forma como encara o trabalho e a família, comentou o fim dos Diabo na Cruz – que o músico acha que podem e devem continuar – e ainda – coisa rara – considerou que não há falta de apoios à cultura em Portugal. Afinal, B Fachada não é pra meninos.

Não é a primeira vez que vens às Quintas de Leitura. O que difere este evento de concertos mais tradicionais?

Aqui ,o conceito em si é mais o de um showcase, é uma performance muito mais curta de que um concerto inteiro. Depois, as Quintas de Leitura têm a particularidade de 80 a 85% do público ser um público fixo. São pessoas que não vão aos meus concertos habitualmente e que só me veem aqui. Portanto, essas duas coisas combinadas: a diferença entre dar 100 por cento em 20 minutos e dar 100 por cento numa hora, e o que significa o contacto com um público que, habitualmente, não é o meu, são o que torna o evento especial. Eu depois volto sempre de dois em dois anos ou, talvez, duas vezes a cada três anos. [risos] Volto sempre e repito muitas vezes as Quintas de Leitura.

O que mudou no B Fachada desde a primeira vez que veio às Quintas de Leitura, há mais de dez anos?

Mudou tudo. Mudou o repertório, já fiz Quintas de Leitura à guitarra, com teclado, com eletrónica, com a viola braguesa, ao piano… Já fiz Quintas de Leitura de muitas maneiras diferentes. Entretanto, tenho a minha própria família, que também não tinha quando comecei a vir para aqui. Ainda era muito novo. Na verdade, na primeira vez que vim às Quintas de Leitura, quase de certeza que ainda vivia em casa dos meus pais. Agora tenho três filhos, portanto, algumas coisas mudaram [risos].

…continuo a pensar sempre no meu trabalho muito mais a longo prazo e como posso acumular o meu património para mim e para a minha família.

Portugal é um país que apoia suficientemente a cultura?

Sim, acho que sim. Nós ambicionamos sempre mais. Um sistema melhor, uma cultura mais apoiada, mas depois os apoios também criam muitas hierarquias, muitas classes dentro da cultura ou muitos vícios. Isso acontece quando o apoio se transforma na norma, ou quando há atividades que já só conseguem existir através do apoio e que perdem o contacto com uma economia mais direta, mais à antiga.

Ter um trabalho que é sustentável economicamente não precisa exatamente de ser uma questão capitalista. Existem 2000 anos ou mais entre aparecer o dinheiro e aparecer o capitalismo, portanto, ainda há uma margem de manobra muito grande para trabalhar entre uma coisa e outra [risos].

Manténs a opinião de que vives um pouco como um funcionário público?

Sim, continuo a pensar assim para mim. Nunca ambicionei uma indústria que estruturasse uma economia acima do necessário. Nunca ambicionei isso e continuo a não ambicionar, continuo a pensar sempre no meu trabalho muito mais a longo prazo e como posso acumular o meu património para mim e para a minha família. Os discos são todos nossos, as canções são todas nossas…

Portanto, eu vou tentando acumular para que as coisas, a longo prazo, sejam sustentáveis para nós, familiarmente. Não quero que seja preciso sustentar uma estrutura muito grande de pessoas que, depois, têm que vender o teu produto de uma maneira que, geralmente, é mais canibal. As pessoas, ao fim de uns anos, têm o trabalho canibalizado e já não conseguem fazer mais nada, ou não podem fazer mais nada.

Entre 2007 e 2014 lançou 13 discos e, entretanto, mais nenhum. Estás satisfeito com o teu repertório?

Não, não… Não estou satisfeito com o repertório. Estou em casa a tratar dos filhos… Estou a fazer outras coisas. Acho que há alturas para tudo. Fiz um sprint até aos 30, para depois poder fazer outras coisas e estar com eles. Nunca na vida conseguiria pôr o trabalho em primeiro lugar. Não acho que venha daí a satisfação pessoal, a tua satisfação pessoal vem muito mais da tua satisfação social. A maneira como essas coisas se confundem cada vez mais, o facto de o dinheiro ocupar até um monopólio das nossas vidas… Isso começa a transformar as coisas de alguma maneira, mas depois na prática somos como os golfinhos. É só uma satisfação social: esfregarmo-nos uns nos outros. [Risos]

Os Diabo na Cruz não acabaram, o Jorge é que saiu.

Fizeste parte do início dos Diabo na Cruz. Como é que vês o fim da banda?

Vi mal, vi com tristeza… Mas a banda não acabou, o Jorge é que saiu. [Risos] Eu não sei se isso implica o fim, a banda é que tem de decidir isso. O Jorge saiu e afirmou que, por ele, a banda acabava, mas a banda não é só o Jorge. Nesse caso específico, a banda é uma série de gente que toca e as pessoas que também estão por trás e que suportam a banda já há muitos anos.

Portanto, eu não vejo como necessário que a banda acabe, mas também percebo o lado do Jorge. Eu era muito próximo do Jorge. Quando participava em Diabo na Cruz, considerava-me o second man da banda, tentava sempre apoiar o Jorge diretamente no palco e, portanto, também compreendo que ter uma banda é muito cansativo e ter sempre a responsabilidade de ter a génese criativa numa banda começa a tornar-se uma espécie de casamento. Quando as pessoas começam a envelhecer, a entrar na idade adulta, começa a haver um desgaste muito grande das relações e do próprio trabalho criativo.

É claro que foi o Jorge que imaginou, primordialmente, o som da banda mas, na prática, foi a banda que o fez. Na minha opinião, a banda não precisa de acabar e tem todas as razões e mais algumas para fazer a tour até ao fim, pelo menos.

Que artistas portugueses andas a ouvir?

Eu vou tentando ouvir, mais ou menos, as coisas que vão saindo. Não oiço assim nada de especial… Há muita coisa nova, mas não há muita novidade. Há umas coisas que aparecem, algumas coisas com interesse, claro. As pessoas vão trabalhando e há lugar para todos.

Artigo editado por Filipa Silva