A Casa de Serralves abriu esta sexta-feira ao público a exposição monográfica de Paula Rego, intitulada “O Grito da Imaginação”, com curadoria de Marta Almeida. Estão em exibição, até março de 2020, obras da autora extraídas da Coleção de Serralves e da Casa das Histórias, o espaço que alberga a maior coleção da autora em Portugal e que está localizado em Cascais, terra de origem da pintora.

É a terceira exposição de Paula Rego em Serralves, sendo que a primeira ocorreu em 1989 e a última em 2004

Este ano, em que se completam os 30 anos da Fundação de Serralves, a artista – “uma das maiores do nosso tempo”, considerou Ana Pinho, presidente do Conselho de Administração – regressa ao Porto com uma exposição variada. Compreende a sua produção artística entre 1975 e 2004, com um total de 36 obras. Toma como ponto de partida as pinturas da coleção de Serralves, mas inclui também obras da Casa das Histórias. De Cascais vieram duas séries de gravuras, que se encontram distribuídas pelos dois pisos da Casa, “Pendle Witches” e “Shakespeare’s Room”.

Há duas séries de gravuras da artista nesta exposição.

Há duas séries de gravuras da artista nesta exposição. Foto: Angela Pereira

As obras não se encontram expostas segundo uma organização cronológica, começou por explicar a curadora na visita de apresentação da mostra à comunicação social, que decorreu na manhã de quinta-feira. 

No rés do chão podem encontrar-se obras dos últimos 25 anos, pintadas com pastel de óleo, técnica que, segundo a artista, permite uma ligação imediata entre o pensamento e a ação. No primeiro andar estão distribuídas obras da década de 80 do século XX, fase em que predomina o uso do óleo e do acrílico.

Há especial enfoque para o soberbo políptico “Possessão”, peça de grandes dimensões, que ocupa um dos espaços centrais da Casa de Serralves, composta por sete quadros associados à histeria, onde se pode encontrar uma narrativa visual linear. Nesta peça, além do ataque de histeria e do desejo de libertação do corpo, está em destaque a figura da mulher, o que não é raro na obra da artista. O papel feminino é enaltecido em diversas obras, seja em cenas íntimas, seja em momentos públicos, daí o pendor feminista das representações de Paula Rego. 

Sete quadros do políptico "Possessão" estão na exposição de Paula Rego em Serralves.

Sete quadros do políptico “Possessão” estão na exposição de Paula Rego em Serralves. Foto: Angela Pereira

Questionar o quotidiano é também um aspeto comum na sua obra. A reflexão sobre as obrigações, os deveres e os tabus da sociedade refletem-se em pinturas irreverentes, de oposição às convenções sociais. A violência, a crueldade e a compaixão também não escapam ao crivo do pincel de Paula Rego.

Por outro lado, a memória da infância e do passado é a base temática de várias telas e gravuras da artista. Diversas obras remetem para a literatura infantil, representando mesmo episódios ou personagens dos contos de fadas. “Crianças e as suas histórias” é a gravura que recebeu especial atenção por parte de Marta Almeida, sendo a obra que serve de cartaz à exposição. Representa as histórias noturnas contadas às crianças e todo o imaginário que as envolve. 

Marta Almeida é a curadora da exposição.

Marta Almeida é a curadora da exposição. Foto: Angela Pereira

A criação de ambientes ficcionais é bastante frequente, sendo que se verifica uma “semi-animalização do mundo humano”, fase posterior à “personificação do mundo animal”. Paula Rego representa inúmeros animais, mas, sobretudo, cães, que consistem em figurações do homem. É possível ver, por exemplo, gravuras em que “meninas que brincam com o cão, ou contam segredos ao cão”, lê-se no material de apoio da exposição.

Gravura incluída na exposição. Foto: Angela Pereira

Na base do imaginário da artista é necessário, porém, esclarecer uma questão: “As minhas pinturas são histórias, não narrativas. Não têm passado nem futuro”, alerta a própria Paula Rego.

Ao mesmo tempo que se percorre a exposição, é possível visualizar excertos do filme da vida de Paula Rego, da autoria do filho Nick Willing, que será exibido no Auditório de Serralves a 15 de janeiro.

Paula Rego, a pintora portuguesa radicada há várias décadas em Inglaterra, agora com 84 anos, é reconhecida nacional e internacionalmente, sobretudo desde a década de 1980. Tratou muitas vezes temas polémicos e fê-lo com estrondo, como quando pintou “Salazar a vomitar a Pátria” ou a série de quadros sobre o Aborto. Entre as várias distinções que recebeu podem salientar a condecoração com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada (2004) e a Medalha de Mérito Cultural do Governo Português, que lhe foi atribuída este ano.

Artigo revisto por Filipa Silva