Como convidado especial da abertura, coube a Edward Snowden a responsabilidade de arrancar a Web Summit deste ano, esta segunda-feira, em Lisboa, numa entrevista via satélite dada a partir da Rússia, onde o ex-analista de dados da CIA está refugiado há alguns anos. James Ball, jornalista vencedor do prémio Pulitzer, interrompeu o silêncio ensurdecedor de um público que, por momentos, pensou ver Snowden pisar o palco português, para apresentar o especialista em dois grandes ecrãs. 

Aos espectadores deixou um alerta enfático sobre os perigos da partilha indiscriminada de dados, o que, num evento que vive também dessa partilha – há, por exemplo, uma aplicação obrigatória para todos os participantes – não deve ter deixado de fazer soar algumas campainhas. O especialista veio à Web Summit falar de tecnologia isenta e transparente, expondo as incongruências da recolha de dados por empresas.

Snowden confessou que, quando iniciou o seu percurso na CIA, foi obrigado a cumprir um juramento de serviço para com a mesma. Mais tarde, quando progrediu de nível de confidencialidade, foi coagido a assinar o Standard Form 312 – um acordo de não divulgação (NDA), o que na sua opinião vai contra a Constituição norte-americana: “ou se é leal à constituição ou ao Standard Form 312”, explicou Snowden. 

Cerca de 70 mil pessoas ouviram os apelos de Snowden. Foto: Inês Loureiro Pinto

O especialista de inteligência acusou grandes empresas, como o Facebook, a Google e a Amazon, e agências como a National Security Agency (NSA) de permitirem vigilância generalizada aos governos, neste caso ao norte-americano, com a “criação de um novo registo permanente”. “Nós permitimos este abuso de privacidade através da pessoa [utilizador]”. Para Edward Snowden, estas instituições, já poderosas, ao combinarem-se umas com as outras, usam esse poder contra as pessoas, e não a seu favor.

Sobre a regulamentação da proteção de dados, Snowden manifestou o seu desagrado com o próprio nome: “é sobre recolha de dados”, afirma. Proteção de dados significa, segundo o especialista, que as empresas e instituições recolhem os nossos dados, porque o permitimos, e não há nada de mal com isso, desde que não ocorram fugas. 

“O público, a minha geração e particularmente a geração a seguir à minha, já não são donos de nada”, afirmou Snowden. 

Revoltado com a abstração da política de dados, o especialista refutou que “os dados não são inofensivos e abstratos, quando se trata de pessoas”. A pessoa é que está a ser o objeto de manipulação, não os seus dados. Por outras palavras: “Não são dados que estão a ser explorados, são as pessoas que estão a ser exploradas.”

Como solução, e para rematar, Edward Snowden alertou para a urgência em redesenhar o sistema básico de conduta na internet. Propõe um desafio às empresas: mostrar às pessoas, consumidores, porque não deveriam confiar nelas, em vez de lhes pedirem para confiar.

“A lei não é a única coisa que nos pode proteger. A tecnologia não é a única coisa que nos pode proteger. A única maneira de proteger alguém é proteger toda gente”, concluiu Snowden no fim da conferência.