Foi em 2012 que, com o objetivo de distinguir os estudantes que se destacassem em atividades extracurriculares em prol da sociedade, a Universidade do Porto (UP) criou o Prémio Cidadania Ativa. Anualmente são distinguidos quatro estudantes e premiados com um diploma e um montante de mil euros. O concurso está aberto a qualquer aluno dos três ciclos de estudo – licenciatura, mestrado ou doutoramento. O JPN foi conhecer quem são, o que os motiva e quais os sonhos dos quatro galardoados deste ano.

Ana Sofia Tavares, 23 anos – “Parei de pensar e agi”

Ana Sofia Tavares, 23 anos, é a vencedora do prémio de Cidadania Ativa da UP na área Desportiva e/ou Ambiental. A estudante do Mestrado em Toxicologia e Contaminação Ambientais no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) destacou-se com o projeto Let’s Swap. “É um movimento de troca de roupa que nasceu em junho de 2019, no evento da Fashion Revolution, que promove boas práticas e transparência no mundo da moda, onde eu tinha ido como uma amiga. Aí conhecemos outras pessoas e em conversa percebemos que todas queríamos que as trocas de roupa fossem implementadas no Porto”, conta a jovem ao JPN.

A estudante é uma das fundadoras do movimento que organiza “mercados de troca de roupa de livre acesso [swap markets], onde os participantes levam roupa que já não utilizam e trocam pela roupa de que gostarem”, explica. “Assim, o projeto promove a economia circular e tem como objetivo principal eliminar a dependência das lojas convencionais de fast fashion, pois esta é uma indústria com muitos problemas éticos associados, com uma grande pegada de carbono e que gere muita poluição”.

Ao todo a iniciativa já organizou mais de 15 swap markets, em diferentes pontos do país (por exemplo, Porto, Vila Nova de Famalicão, Braga) com a participação de entre 40 a 60 pessoas. Ana Tavares destaca ainda o crescimento da aceitação do projeto junto das pessoas e o envolvimento social positivo.

Além do Let’s Swap, Ana Sofia Tavares participa também no movimento Friday’s for Future (sextas-feiras de consciência ambiental) em Portugal e colabora com o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), onde é monitora em visitas guiadas e desenvolve o tema da poluição oceânica com alunos do ensino básico. “Desde pequena que sou apaixonada pela natureza, sempre gostei de explorar tudo à minha volta e perceber como tudo está interligado. Por isso, rapidamente me apercebi que a mesma estava ameaçada. Alertava as pessoas para isso, colocava sacos para a reciclagem quando ia de ferias, explicava aos meus amigos porque não podiam atirar o lixo para o chão e todas as pequenas coisas”, conta a ativista ambiental.

A jovem destaca ainda a necessidade de medidas extra à reciclagem: medidas “mais criativas”. Esse aspeto inspirou-a a agir. “Quando ouvia falar dos ativistas que tinham criado, impulsionado, implementado e movimentado pensava que gostava de ser uma dessas pessoas. Depois, parei de pensar e agi”, sustenta.

Para o futuro, a vencedora “gostava de alcançar uma pegada de carbono positiva, viver num local com muita natureza, mas que também tenha uma boa rede de transportes públicos”. Até lá, foca-se em “ter uma vida com o menor impacto ambiental possível, fazer a menor quantidade de lixo que consigo, andar de transportes públicos”.

Joana Paiva, 29 anos – “Desenvolver um novo paradigma de medicina personalizada”

iLOF é o acrónimo para Intelligent Lab on Fiber, uma start-up que “procura desenvolver um novo paradigma de medicina personalizada, usando inteligência artificial e fotónica para desenvolver ferramentas de estratificação de forma barata, portátil e não invasiva para o doente – com um foco inicial na doença de Alzheimer”, explica Joana Paiva ao JPN.

A jovem de 29 anos foi a vencedora do prémio de Cidadania Ativa da UP, no âmbito do Empreendedorismo. Joana Paiva é recentemente doutorada em Física e destacou-se pela criação da iLOF, da qual é atualmente diretora técnica, com os co-fundadores Luís Valente e Paula Sampaio, da Universidade do Porto, e Mehak Mumtaz, da Universidade de Oxford.

A empresa, que já captou mais de 2.1 milhões de euros em fundos, vem combater os procedimentos invasivos e caros dos, até aí existentes, estudos para o novo tratamento do Alzeheimer, uma vez que 90% dos pacientes acabavam, por isso, por desistir do estudo. Para a jovem, a iLOF tem, por isso, um papel importante, uma vez que “conseguiu garantir financiamento para o projeto, que já criou 10 postos de trabalho, e está incubado no Centro de Investigação Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Ao mesmo tempo começou a criar impacto real nos pacientes, com pilotos junto de hospitais e instituições nacionais e internacionais, incluindo dois dos maiores grupos farmacêuticos europeus.”

Numa época em que tanto se fala de pandemia, Joana Paiva não deixa de lembrar que a “demência é considerada como uma das maiores epidemias do século XXI, afetando mais de 46 milhões de pessoas mundialmente”, sendo que 50% desses doentes sofrem da doença de Alzheimer. Contudo, devido aos custo e riscos é difícil distinguir, dentre o universo da demência, aqueles que também sofrem de Alzheimer.

O PET scan e a punção lombar são os principais métodos utilizados, tradicionalmente, e obrigam o doente a expor-se a radiação e a um procedimento muito invasivo, respetivamente, sendo ambos demorados, além de não estarem disponíveis a nível geográfico, geralmente. “Se não arranjarmos um teste simples, fácil, não invasivo para a estratificação das várias demências será muito complicado chegarmos finalmente a um tratamento eficaz para a doença de Alzheimer, pelo menos segundo os dados recolhidos ao longo de todos estes ano, explica Joana Paiva relativamente aos aspetos que distinguem a iLOF nesse campo.

Neste momento, Joana Paiva integra o ranking dos 30 melhores talentos europeus com 30 ou menos anos, da Forbes, é docente convidada do ICBAS e pretende, para já, focar-se na iLOF. “Tornar a iLoF uma tecnologia de plataforma baseada na estratificação de doentes para várias patologias, tendo em conta uma base de dados capaz de incluir ‘impressões digitais óticas’ relativas a cada patologia”, remata.

Diogo Ferreira, 26 anos – “Malabarismo entre vida profissional, académica e pessoal”

Premiado na vertente Pedagógica, Diogo Ferreira, 26 anos, é estudante doutoral em Ciências Cardiovasculares da Faculdade de Medicina da UP (FMUP), e destacaou-se com um projeto no concurso de “Projetos de Inovação Pedagógica” da UP. “ Baseou-se na criação e divulgação de flashcards digitais para ajudar os estudantes de Medicina da FMUP no estudo da Fisiologia. Estes flashcards consistem em pequenos cartões com frases incompletas ou perguntas diretas que levam a que o utilizador tente responder mentalmente, sendo este depois confrontado com a resposta certa”, explica Diogo Ferreira ao JPN.

O passo seguinte é classificar o cartão como “fácil” ou “difícil” e, através de um algoritmo, os cartões “difíceis” aparecerão mais vezes, “favorecendo um estudo personalizado dos conhecimentos menos dominados”.

O projeto foi apoiado pela UPdigital, com integração no Moodle (plataforma de ensino digital na UP), e teve uma grande adesão pela comunidade académimca. Como inspiração, Diogo Ferreira foi beber às próprias experiências pessoais. “Só no fim do curso de Medicina é que contactei com os flashcards, que foram fulcrais para enfrentar a temida ‘Prova Nacional de Seriação’, vulgarmente conhecida por Harrison, exemplifica o jovem. “Lamentei o facto de não os ter utilizado mais cedo no curso e, por isso, procurei apresentá-los aos estudantes no início do seu percurso académico”.

“Equilíbrio” é a palavra que procura implementar na sua vida futura – a nível profissional, académico e pessoal. “Pretendo continuar a ajudar os doentes o melhor que sei e posso, aprendendo diariamente com uma excelente equipa de profissionais de saúde”, refere quanto ao trabalho de médico interno em Cardiologia que desempenha. A nível académico quer ter “um papel ativo no ensino da Fisiologia e concluir o Doutoramento em Ciências Cardiovasculares”.

“No fundo, ambiciono que este autêntico malabarismo entre vida profissional, académica e pessoal mantenha a sua harmonia e simbiose, e que os seus frutos voem cada vez mais alto”, acrescenta Diogo Ferreira.

César Casa Nova, 27 anos – “Senti a necessidade de mostrar que tinha uma língua própria”

Na vertente Humanitária quem se destaca é César Casa Nova. Desde cedo que o estudante do 3º ano de licenciatura em Matemática na FCUP percebeu ser o único surdo com baixa visão na instituição que frequentava. “Nesse momento, senti-me muito isolado, por estar afastado dos colegas surdos da escola secundária e estar em meio universitário integrado só com ouvintes”. César começou, então, a ensinar de forma voluntária a língua com que comunica a funcionários, estudantes, professores com o objetivo de ultrapassar barreiras.

Começou “por Língua Gestual Portuguesa (LGP), depois aos poucos por Língua Gestual Tátil (LGT), que é a forma de comunicação adaptada para surdocegos. Foi assim que tudo surgiu”, explica.

Além disso, César Casa Nova junta ao ensino da LGP e da LGT, a participação em “reuniões e seminários” e a colaboração em investigações sobre a surdez. Tudo para “chamar atenção para a existência de surdocegos e para os muitos obstáculos e barreiras que necessitam de ultrapassar”, diz ao JPN. O jovem arescenta ainda que, o seu trabalho voluntário muito contribui para a sua integração na UP e, principalmente, para a luta da melhoria da educação para surdos. “Os conceitos da matemática precisam de renovação, de símbolos matemáticos adaptados aos surdos, porque o português é a segunda língua dos surdos”, sustenta. “Ainda há muitas coisas para fazer”, comenta.

Quanto ao futuro, está ainda dividido, mas diz que gostaria de ser professor de Matemática para surdos e surdoscegos. “Adoro ajudá-los e ensiná-los” e “alertar para as dificuldades e para o necessário reconhecimento dos surdos e dos surdocegos na sociedade”, justifica. Para César Casa Nova “é preciso criar melhores condições para que esse grupo tenha uma vida ativa e útil”.

Num ano em que a realidade dos portugueses mudou, também a tradição da entrega de prémios de Cidadania Ativa pela UP mudou. Devido ao Plano de Contingência da instituição para a COVID-19, a proclamação pública não teve lugar na Sessão Solene Comemorativa do Dia da Universidade. Em vez disso, houve uma “comemoração virtual“, no passado dia 22 de março.

Artigo editado por Filipa Silva.