Fundado a 9 de dezembro de 1892, o histórico clube inglês Newcastle United FC está perto de ser vendido ao Fundo de Investimento Público (PIF, na sigla inglesa) da Arábia Saudita. A Amnistia Internacional quer que o negócio seja travado e no parlamento britânico há quem peça ao Governo que intervenha.

O PIF é um dos maiores fundos soberanos do mundo, com ativos estimados em 320 mil milhões de dólares. É liderado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e governado por Yasir Al-Rumayyan, que é também presidente da empresa de petróleo e gás natural Saudi Aramco e é apontado para ser o novo presidente do clube britânico.

A operação está estimada no valor de 300 milhões de libras (cerca de 340 milhões de euros), correspondente a 80 por cento do The Toon, sendo os restantes 20 por cento divididos entre o PCP Capital Partners de Amanda Stanley, que está a mediar as negociações (e que já tinha participado na operação que permitiu ao xeque Mansour, dos Emirados Árabes Unidos, comprar o Manchester City FC em 2008), e a Reuben Brothers, empresa dos irmãos Simon e David Brothers, membros da segunda família mais rica do Reino Unido. Eles são proprietários, por exemplo, do hipódromo de Newcastle, em Gosforth, e três campos de golfe nas redondezas.

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, ao centro Foto: Wikipédia

A ser consumada a compra a Mike Ashley, atual proprietário, esta colocará fim a 13 anos de liderança do inglês que comprou o Newcastle em 2007 – e que já tentou vender o clube antes.

Esta época, o clube que veste de preto e branco está no 13º lugar da Premier League e foi o primeiro a aderir ao lay-off disponibilizado pelo governo britânico por causa da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

O empresário esteve também recentemente envolvido em algumas polémicas. No final de março, pediu desculpa por tentar manter abertas as lojas da Sports Direct (da qual é fundador e CEO) durante o período de confinamento decretado pelo governo e foi ainda criticado por cobrar os bilhetes para a época 2020/2021 depois de a competição desta temporada ter sido suspensa, umas das muitas razões que levam os adeptos a quererem o seu afastamento.

Adeptos do Newcastle a pedirem a saída do proprietário Mike Ashley Foto: Wikipédia

Assim, fãs e órgãos de comunicação social começam já a perspetivar o futuro da entrada dos designados “petrodólares”. De acordo com o “The Mirror, o novo investidor terá 200 milhões de libras (o equivalente a 229 milhões de euros) para gastar em reforços e também para melhorar infraestruturas de modo a tentar voltar à Liga dos Campeões (cuja última participação data de 2003). E como não podia deixar de ser, já são noticiados rumores sobre possíveis treinadores e jogadores para fazerem parte do onze de sonho do clube do norte de Inglaterra.

Segundo o “The Telegraph”, o atual treinador, Steve Bruce, acredita só ter mais algumas semanas no St. James’ Park. Daí que já abundem nomes para a sua sucessão. Do antigo treinador da Juventus FC (neste momento sem clube), o italiano Massimiliano Allegri, passando por um possível regresso do espanhol Rafael Benítez (neste momento no comando dos chineses do Dalian Pro), até à compra do suíço Lucien Favre, atualmente ao serviço do Borussia Dortmund, ou mesmo do ex-Tottenham (e também sem equipa), o argentino Maurício Pochettino, estes são alguns dos técnicos já apontados.

Ao nível dos jogadores, as setas parecem apontar para o ponta de lança uruguaio do Paris Saint-Germain FC, Edison Cavani, Antoine Griezmann, avançado francês do FC Barcelona, o extremo brasileiro do Chelsea FC Willian, o belga do Napoli Dries Mertens e ainda outro brasileiro, Phillipe Coutinho, emprestado ao Bayern Munique pelo Barça.

“Um exercício de construção de imagem”, acusa a AI

Para a conclusão do negócio, falta a aprovação da Premier League, cuja decisão deve ser conhecida nas próximas semanas, e nesse sentido a Amnistia Internacional já veio fazer um apelo à liga inglesa.

Na carta enviada por Kate Allen, diretora da Amnistia Internacional no Reino Unido, a Richard Masters, diretor executivo da Premier League, é pedido que seja examinado o histórico dos direitos humanos do país do Médio Oriente: “a menos que a Premier League faça uma pausa e olhe seriamente para a situação dos direitos humanos na Arábia Saudita, corre o risco de se tornar idiota”, escreveu Allen.

A Amnistia diz também já ter alertado várias vezes que a Arábia Saudita, sob o comando do príncipe herdeiro, iniciou um forte programa de “lavagem desportiva” entre outros esforços para alterar drasticamente as perceções internacionais do país, em parte para desviar atenções do registo extremamente pobre de direitos humanos do país da Península Arábica.

A organização não-governamental que defende os direitos humanos afirma não estar a dizer quem deve comandar o Newcastle United e que esta é mais do que uma transação financeira: “é um exercício de construção de imagem que se baseia no prestígio da Premier League e na paixão da base de fãs do Newcastle United”.

A organização também já tinha criticado o enorme investimento dos Emirados Árabes Unidos nos atuais campeões ingleses Manchester City FC como uma forma de limpeza da imagem do país.

Quem também está contra a aquisição é a beIN Sports, cadeia televisiva do Qatar e parceira da transmissão internacional da Premier League. O diretor executivo Yousef Al-Obaidly escreveu aos restantes 19 clubes da Premier League e à própria liga (carta à qual o “The Times” teve acesso) de forma a vetarem o negócio devido ao processo judicial que decorre entre a liga inglesa e o governo saudita e que envolve acusações de pirataria da transmissão dos jogos no país árabe, no Médio Oriente e ainda no norte de África por parte da plataforma beoutQ.

“O potencial comprador do Newcastle United causou enormes danos às receitas comerciais dos clubes e da Premier League”, lê-se na carta de Al-Obaidly.

Clive Betts, membro do parlamento britânico e líder do Grupo Parlamentar do Futebol, também já veio exigir ao governo que investigue a situação, considerando-a de “interesse nacional”, em declarações à BBC Sport.

Caso o negócio tenha mesmo luz verde, o Newcastle United FC tornar-se-á no segundo clube inglês nas mãos de sauditas depois do Sheffield United FC.

No palmarés deste histórico clube inglês encontram-se, ao nível internacional, uma Taça das Cidades com Feira, conquistada em 1968/1969, e uma Taça Intertoto, vencida em 2006. Internamente, o clube conquistou quatro ligas inglesas (1904/1905, 1906/1907, 1908/1909, 1926/1927), seis taças de Inglaterra (1909/1910, 1923/1924, 1931/1932, 1950/1951, 1951/1952, 1954/1955), uma supertaça (1909) e quatro títulos da segunda divisão inglesa (1964/1965, 1992/1993, 2009/2010, 2016/2017 – as duas últimas com Mike Ashley na presidência).

Artigo editado por Filipa Silva