No ano passado, houve um aumento significativo tanto do número de crianças acompanhadas pelas 310 Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) do país, como do número de comunicações recebidas sobre eventuais situações de perigo, em particular por suspeita de risco de violência doméstica. 

As conclusões fazem parte do Relatório Anual de Avaliação da Atividade das CPCJ de 2019, elaborado pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), divulgado a 30 de junho.

Estas estruturas acompanharam, ao nível nacional, 68.962 crianças e jovens ao longo de 2019, número que representa um aumento de 14% em relação a 2018. Por sua vez, as comunicações de situações de perigo às CPCJ passaram para 43.796 no ano passado, mais 12% relativamente a 2018.

Na decorrência destas, foram realizadas 13.825 avaliações a crianças e jovens em situações de perigo. Do diagnóstico efetuado pelas CPCJ, foram sinalizados atos de negligência em 34,5% dos casos, violência doméstica em 22,14% dos casos e comportamentos de perigo na infância e juventude, em 20,96% das situações.

Os casos de violência doméstica, apesar de ocuparem o segundo lugar da lista, foram os que mais aumentaram nos diagnósticos feitos. Passaram de 11,9% dos casos para 22,14%, quase dez pontos percentuais num ano.

As principais categorias de perigo são as identificadas neste gráfico constante do relatório da CNPDPCJ:

Fonte: Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ)

No ano passado, informa a mesma entidade, foram aplicadas cerca de 14 mil medidas de promoção e proteção – mais de 80% passam por medidas de apoio junto dos pais – que incidiram com maior frequência em rapazes (55,25%) do que em raparigas (44,75%).

Violência doméstica é a situação mais denunciada

No que diz respeito às comunicações, as quais continuam a chegar às CPCJ fundamentalmente através das forças de segurança, seguidas pelas escolas e pelo Ministério Público, a situação de perigo mais reportada é a violência doméstica, que ultrapassou este ano, neste capítulo, a negligência.

Em 2019, registaram-se mais 4.743 comunicações por violência doméstica do que no ano anterior. Se entre 2015 e 2018, as denúncias destes casos rondaram as 39 mil ao ano, em 2019, o valor chegou a 43.796.

Citada pelo “Público”, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, atribui o aumento das comunicações de perigo “ao reforço das ações de formações locais e também às campanhas nacionais, com 1.500 ações por todo o país”, justifica. A governante explica o aumento no número de crianças acompanhadas com o facto de “sentir” que a comunidade está a fazer “mais comunicações de situações de perigo”.

A presidente da CNPDPCJ ​aponta também nesse sentido. Rosário Farmhouse diz o que o aumento das comunicações de situações de perigo “pode ter que ver com o facto de a sociedade estar mais alerta”.  

Em relação ao escalão etário, destacam-se as crianças e jovens entre os 11 e os 14 anos, visadas em 11.041 comunicações (25%), entre os 15 e os 17 anos, com 10.664 comunicações (24%) e entre os 6 e os 10 anos, com 9.580 comunicações (22%). De realçar que 5.164 comunicações (12%) dizem respeito a crianças entre os 0 e os 2 anos.

A realidade do distrito do Porto

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), até ao final de 2017, residiam no distrito do Porto cerca de 344 mil menores.

O Relatório Anual de Avaliação da Atividade das CPCJ de 2019 mostra que a média mensal de processos ativos no distrito do Porto ascende aos 5.300 processos (crianças e jovens que entraram no sistema de proteção em 2019 mais as que já eram acompanhadas anteriormente).

O concelho de Vila Nova de Gaia, com duas comissões de proteção na cidade (Gaia Norte e Gaia Sul), lidera com mil processos mensais, seguido do concelho do Porto, que com três CPCJ chegou aos 800 processos ativos de vigilância sobre menores na cidade durante o ano passado, números só suplantados ao nível nacional pelo concelho de Sintra, que com duas CPCJ, chega aos 1.997 processos ativos por mês, seguido por Loures (892) e Amadora (818).

Números a que não são alheios a densidade populacional destes concelhos, o nível socioeconómico, assim como a capacidade de intervenção destas entidades, algo que o relatório evidencia ao reportar as “necessidades particulares de cada Comissão de Proteção, designadamente ao nível de recursos humanos”, para responder às “necessidades e exigências associadas à qualidade da intervenção e acompanhamento junto das crianças e famílias”.

A taxa de incidência (número de crianças e jovens acompanhados por cada 100 crianças e jovens residentes na área geográfica de intervenção da CPCJ) é outro indicador da problemática ao nível territorial..

O distrito do Porto, com uma taxa de 3,34%, situa-se ligeiramente abaixo da média nacional (3,5%) da percentagem de incidência de crianças e jovens acompanhadas pelas CPCJ em 2019. A percentagem, ao nível nacional, representa uma subida de 0,3 pontos percentuais em relação ao ano de 2018.

Quando chegamos à análise por concelho, aí, a realidade do distrito varia. Em percentagem, lideram a CPCJ do Porto Oriental – umas das três do concelho – que apresenta uma taxa de incidência de 7,41%, seguido da CPCJ do Porto Ocidental com 6,25% e a CPCJ de Matosinhos com 4,33%, valores bem acima da média nacional.

Em números absolutos, lideram a CPCJ de Matosinhos (1.316), seguida da CPCJ de Vila Nova de Gaia Norte (1.193) e a CPCJ de Gondomar (984).

Fonte: Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ)

Números que levam a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) a reforçar o pedido da elaboração de planos locais de promoção e proteção dos direitos de crianças e jovens por parte das CPCJ, nomeadamente, com o “desenvolvimento de ações programadas preferencialmente nas escolas”.

As recomendações que constam do relatório de 2019 sugerem ainda às CPCJ o reforço da sua presença na comunidade através de iniciativas como “promover a participação ativa das crianças e jovens nas atividades preventivas locais”, além do apoio à “sua participação e audição sobre os assuntos e decisões que lhes dizem respeito”, quer nas escolas ou através de iniciativas promovidas pelos municípios, assim como a divulgação de atividades pelo Conselho Nacional de Crianças e Jovens.

Artigo editado por Filipa Silva