A marginalização das artes performativas afirma-se como uma das críticas mais fortes dos artistas do Porto à gestão cultural da Câmara Municipal do Porto (CMP). Há três anos sem um teatro municipal – o Rivoli que tinha “apenas 30 pessoas por noite” para ver espectáculos, dizia então Rui Rio, – o Porto continua a ter batimento cardíaco no tecido teatral, mas tropeça constantemente na falta de apoios, logísticos e financeiros, da autarquia, asseveram as companhias da cidade.

O circuito de teatro no Porto “está bom e de saúde, do ponto de vista em que há propostas para um público cada vez mais alargado”, afirma Júlio Gago, do Teatro Experimental do Porto (TEP), organismo já com 56 anos de actividade. “Há uma oferta regular e diversificada”, reforça Paulo Carvalho, investigador na área do teatro e membro da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (APCT). Mas “as estruturas mais recentes continuam a ter dificuldades em fazer um trabalho mais constante de espectáculos”, acrescenta.

Conseguir “locais para estrear espectáculos” é exactamente o principal obstáculo no trabalho da companhia Mau Artista, um projecto independente que nasceu em 2005 por iniciativa de recém-licenciados das escolas de teatro do Porto. “É mais fácil estrear noutra cidade do que naquela onde nascemos e pela qual trabalhamos”, lamenta Nuno Preto, da companhia.

Espectáculos grátis no Dia Mundial do Teatro

Esta sexta-feira, o Teatro Nacional São João (TNSJ) volta a celebrar o Dia Mundial do Teatro com vários eventos. As peças em exibição vão ter entrada gratuita: “Tambores na Noite”, de Bertolt Brecht, no TNSJ, que já está esgotado; “Weisman e Cara Vermelha”, de George Tabori, no Teatro Carlos Alberto (TeCA); e “3 irmãs”, de Anton Tchékhov, no Mosteiro de São Bento da Vitória. Todos os espectáculos começam às 21h30. A noite segue no TeCA com uma festa animada por alguns dj’s – a entrada custa 5 euros, mas quem for assistir à peça “Weisman e Cara Vermelha” não paga. O programa do TNSJ contempla ainda debates e oficinas, a decorrer no Mosteiro de São Bento da Vitória. Também para assinalar o Dia Mundial do Teatro, o Teatro Experimental do Porto oferece o espectáculo que tem em cena: “Maias, Crónica Social Romântica”.

A falta de um espaço próprio impede “a possibilidade de mostra” das estruturas alternativas de teatro, considera Inês Moita, da Primeiro Andar, outras das companhias da nova geração que se movem em redor do espaço Fábrica Social – Fundação José Rodrigues, uma espécie de balão de ensaio para jovens criadores.

Apoio autárquico não precisa de “envolver números”

O “sub financiamento e a ausência de um espaço próprio para ensaios e apresentação de espectáculos” são, para o director artístico do Teatro Plástico, Francisco Alves, embaraços “crónicos” comuns “à generalidade das companhias teatrais portuguesas”. O apoio da CMP às jovens estruturas não precisa de “envolver números”, sublinha Nuno Preto. “A disponibilização de espaços e de meios de divulgação regularizava o circuito”, explica Paulo Carvalho.

“Somos uma boa geração, que está disposta a fazer coisas, que tem muitas ideias”, diz Inês Moita. “Há imensas pessoas com projectos na gaveta”, continua, mas “as condições físicas e financeiras” não permitem vê-los materializados. É preciso também “acreditar nos jovens criadores e arriscar neles”, assinala a artista da Primeiro Andar. Afinal, os jovens são um elemento inevitável para a “renovação” do tecido teatral da cidade e para “criar linguagens próprias”, aponta Nuno Preto.

“O Porto sempre se fez notar pela sua produção de nomes no mundo artístico, pelo que não se compreende este abandono” da autarquia, refere Nuno Preto. Só se “pensa apenas em contas”. O pensamento contabilístico do executivo de Rui Rio é também censurado por companhias já consolidadas.

“Felizmente para nós [TEP], cumprimos esta sexta-feira dez anos que transferimos a nossa sede para Vila Nova de Gaia”, começa por dizer Júlio Gago. “Estaríamos muito mal se tivéssemos continuado no Porto, ainda por cima com o actual executivo, que tem demonstrado a sua aversão, não só ao teatro, como à cultura em geral, através de uma gestão que é mais contabilística do que cultural”, conclui. O JPN tentou contactar a Câmara do Porto, mas não obteve qualquer resposta.

A falta de um teatro municipal é “um acto cultural criminoso”

Com a concessão do Rivoli a Felipe La Féria, o Porto deixou de ter um teatro municipal. E isso é “um acto cultural criminoso”, para além de “caso único na Europa civilizada”, considera Francisco Alves. A “primeira função de um teatro municipal é acolher e ser o espaço natural de apresentação dos criadores da cidade e a sua ausência no Porto desestruturou completamente a actividade cultural da cidade que, por exemplo, deixou de poder ver espectáculos de dança“, explica o director artístico do Teatro Plástico, para quem o circuito teatral da cidade está “empobrecido, muito previsível e em contínuo retrocesso”.

“Faz imensa falta um espaço que esteja aberto a acolher propostas na sua programação de artistas do município”, reforça Inês Moita, da Primeiro Andar. “Para as companhias do Porto torna-se muito difícil actuar na própria cidade, o que é ridículo”, acrescenta Nuno Preto.

Existe, no entanto, uma “quantidade assinalável” de espaços no Porto que poderiam cultivar uma lógica de programação articulada, mas “não são aproveitados”, refere Paulo Carvalho, dando como exemplo o Teatro do Campo Alegre. “O Porto tem condições e equipamentos culturais para ter uma vida cultural dinâmica e estimulante, mas a maior parte dos teatros – sobretudo aqueles que estão sob a tutela da Câmara – estão subaproveitados ou foram tomados de assalto por produtoras e projectos comerciais”, assevera Francisco Alves.

Teatro português “está acima da média de outros países”

Para Paulo Carvalho, a falta de atenção autárquica é complementada com o descuido da política que orienta teatros como o Helena Sá e Costa ou o do Campo Alegre: “é necessário mais empenhamento para se agilizarem e se tornarem mais visíveis”, já que um “teatro sem público é uma aberração”, diz o membro da APCT, citando António Pedro, um dos precursores da encenação moderna em Portugal e fundador do TEP.

Júlio Gago critica também a falta de vontade em apostar no “alargamento de públicos”, ao constatar “uma tendência para favorecer o teatro de elite nas opções de apoio a diferentes companhias”. Mas o teatro “está acima de todos os poderes públicos”, remata o director do TEP. Até porque “a qualidade e o interesse do que se faz no Porto, e em Portugal, está muito acima da média de outros países”, diz Paulo Carvalho. “Devemos estar orgulhosos do teatro de cá”, conclui.