O segundo dia d'”O Regresso do Jornalismo” abriu com a questão: “Pode o jornalismo ser rentável?”. A pergunta foi colocada por Borja Echevarría, que fez um diagnóstico ao atual modelo de negócio: “Pensar que podemos viver da publicidade é utopia”. O editor executivo-adjunto do El País falou da ação da disrupção levada a cabo pelos meios tecnológicos e pela Internet.

A era digital e as novas plataformas obrigam não só a pensar as rotinas jornalísticas, mas também a sustentabilidade do negócio. Com a entrada no mercado dos disruptores houve uma mudança no meio: os disruptores contratam jornalistas, produzem informação, estabelecem parcerias com jornais por todo o mundo e competem diretamente pelas receitas publicitárias.

“Os disruptores souberam atacar a faixa de público que não estava interessada nos meios de comunicação estabelecidos”, diz Echevarría, que considera que o sucesso destes meios fez com que o jornalismo começasse a perceber melhor a publicidade. Numa altura em que “a publicidade no jornal mais a publicidade digital não chega para compensar os custos”, a reflexão sobre a manutenção do modelo de negócio assente na publicidade torna-se necessária. “A publicidade nos meios digitais está a crescer, mas nos meios de comunicação estagnou”, um problema que, para Borja Echevarría, pode ter raízes profundas: “No início devíamos ter deixado o material grátis? Provavelmente não”.

O que esteve em discussão

No segundo dia d'”O Regresso do Jornalismo” houve uma série de quatro debates simultâneos. Estiveram em discussão temas como o financiamento do jornalismo, o estado do ciberjornalismo em Portugal e o trabalho jornalístico em equipa. O JPN acompanhou o debate em redor da pergunta “Há espaço para os textos longos na Internet?”, cujo painel, constituído por Josh Hammer, Mark Kramer, Sílvia Caneco, Susana Moreira Marques e Bruno Faria Lopes, e com moderação de Carlos Vaz Marques, respondeu de forma unânime: “Sim”. Há quem vá mais longe e afirme mesmo que a web pode vir a ser o espaço predileto para este tipo de jornalismo.

Do papel ao digital, Borja Echevarría diz que não pode haver uma mentalidade conservadora e que a preocupação tem de ser a de fazer produtos diferentes e construir
uma personalidade forte. “O papel tem que ter mais contexto, mais reportagem, mais análise… Há tanto ruído que procuramos mais especificidade”. Mas o jornalista espanhol diz que o grande objetivo tem de ser “aumentar a qualidade do digital”. O caminho do êxito na era digital foi apontado por Echevarría, que apresentou um conjunto de ideias para a mudança: uma revolução editorial que olha para os novos meios e que coloca no centro da equação o leitor. Borja Echevarría defende
um novo paradigma, mas, qualquer que seja o futuro, há uma certeza: “A estratégia económica tem de estar envolvida com a de conteúdos”.

Um erro cuja tentativa de resolução chegou tarde. Face aos poucos ganhos publicitários, proliferaram os conteúdos pagos através de plataformas como, por exemplo, as paywalls. “Se pensam que vão sustentar uma redação com os custos das paywalls estão enganados”, alerta Echevarría, para quem a proliferação desmedida destes modelos causou um esquecimento da qualidade dos conteúdos: “O perigo não é que deixem de comprar o jornal no quiosque. O perigo é que deixemos de interessar como marca”. Para o editor do El País, os jornalistas “vivem obcecados com as plataformas” quando, mais do que o meio, devia ser o conteúdo a dominar as preocupações.

O “caso Joshua Hammer”

Joshua Hammer foi, durante 18 anos, jornalista da Newsweek, até que começou “a sentir que queria fazer algo de diferente”. Depois de ser correspondente em vários países decidiu deixar a revista e tornar-se freelancer, a fim de escrever artigos soltos para várias revistas ou até um livro. Na altura, a Internet nem lhe passava pela cabeça, hoje, nem se consegue lembrar da última vez que leu a New Yorker em papel. Escreve para a Internet e considera que isso não mudou a sua forma de escrever.

Mark Kramer é outro profissional que valoriza muito a escrita, que considera uma forma de “provocar uma sequência de emoções e pensamentos no leitor”. Na opinião do diretor da conferência “Power of Narrative”, a crise afeta os hábitos de leitura e não a qualidade do jornalismo praticado.

Textos longos na Internet?

Noutro painel de debate acompanhado pelo JPN (ver primeira caixa), Bruno Faria Lopes apresentou a “Carrosel Magazine“, que funciona em regime de voluntariado e onde, muitas das vezes, são os jornalistas a procurar a revista para publicar os seus trabalhos. Para Faria Lopes, “alguns jornalistas estão saturados dos moldes em que escrevem” e, então, procuram uma maior liberdade para apresentar as suas histórias.

A “Carrosel Magazine” registou uma permanência de longa duração no seu site e constatou que algumas das notícias mais lidas são as mais extensas. Uma perspetiva que leva o jornalista a afirmar a adaptabilidade das grandes narrativas ao meio digital. A “Carrosel Magazine” está “hibernada” para uma reestruturação que deverá levar à profissionalização.

Para Susana Moreira Marques “é igual escrever para a Internet ou para o jornal”. O que coloca em causa a sustentabilidade desta ideia, segundo a própria, não é a Internet, mas sim a escassez de recursos e a consequente falta de investimento por parte das empresas de media neste tipo de jornalismo. Para a jornalista freelancer, o long narrative journalism é a única forma de criar “um envolvimento com os leitores” e, na sua ótica, é um tipo de jornalismo ainda em crescimento.

“Um jornalista deve saber aceitar o seu talento”

O encerramento do segundo dia d'”O Regresso do Jornalismo” ficou a cargo de Travis Fox. A intervenção de Travis começou com uma referência à participação de Amy O’Leary no dia anterior da conferência, e com a constatação de que o exclusivo deve ser o trabalho fulcral do jornalista. Depois de intervir, e em declarações ao JPN, o repórter, realizador, editor e produtor explicou que “não é o equipamento que importa, mas sim a maneira com ele é usado”. Para Fox, o trabalho do repórter de imagem e o do jornalista são similares: “Escrever as perguntas para uma entrevista é o mesmo que preparar o equipamento para vídeo”. Um trabalho muitas vezes complicado: “Imaginam o que é chegar ao pé de uma pessoa com uma câmara e dizer ‘Posso acompanhar a sua vida sem atrapalhar?'”.

As capacidades dos novos media são usadas no trabalho quotidiano de Travis Fox, mas, na sua opinião, não devem ser elas a moldar o jornalismo: “Há estudantes de jornalismo que querem ser bons escritores e é isso que serão. Se és um bom escritor é isso que deves abraçar, não tens de fazer nada disto. Mas também sou da opinião que, mesmo que não vás usá-las no futuro, deves saber como usar este tipo de ferramentas”. Travis Fox terminou a sua apresentação com uma reflexão que bem pode espelhar o espírito daqueles, jornalistas ou aspirantes, que se encontravam nas cadeiras do auditório da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS): “Um jornalista deve saber aceitar o seu talento. Eu vim por esse caminho”.

“Somos todos repórteres?”

Alexandra Lucas Coelho trouxe à discussão o confronto entre o ato jornalístico e o jornalismo real. Lançou-se a questão: “Somos todos repórteres?”. A jornalista e colaboradora do Público, que atualmente trabalha no Brasil, apresentou o projeto Media NINJA, um grupo brasileiro de ativistas que decidiu dedicar-se à informação porque queria noticiar aquilo que não estava a ser noticiado.

Acompanharam as várias manifestações e movimentações populares e, num ápice, tornaram-se os principais fornecedores de informação de milhares de brasileiros e até os órgãos de grande dimensão usaram o seu material. Citando um dos fundadores do Media NINJA, Alexandra Lucas Coelho lançou uma questão: “Deverá ser o jornalismo imparcial ou um mosaico de imparcialidades?”. O grupo, criado por jornalistas, era alimentado por alunos e colaboradores de jornalismo, o que lançou, no auditório, a discussão sobre a afirmação, limites e deontologia da profissão. Lucas Coelho tem dúvidas, mas não considera a atividade do Media NINJA como jornalismo.

De seguida, “O Regresso do Jornalismo” passou para a objetiva de João Pina. O fotojornalista português apresentou um projeto sobre a Operação Condor, o plano para aniquilar a oposição latino-americana no tempo da Guerra Fria. João Pina demorou oito anos a fotografar por todo o continente sul-americano num projeto financiado, a três fases, por crowdfunding.

Duzentas pessoas, de 21 países diferentes, ajudaram no financiamento, o que surpreendeu o autor: “Se há dez anos me dissessem que na Internet conseguiria 30 mil dólares, eu não acreditaria”. A concretização do seu projeto leva-o a incentivar outras iniciativas: “Se encontrarem uma história que querem contar, vocês vão conseguir contá-la”. Mas adverte para o facto de o crowfunding não ser “a solução para tudo”, havendo, no entanto, “potencialidades em Portugal”.

Numa conferência sobre jornalismo e o seu futuro, João Pina auto-denominou-se jornalista: “No meu trabalho, eu olho e penso. Como qualquer jornalista tenho as minhas fontes e histórias”. Pina já foi publicado no New York Times, na New Yorker, na Time, no El País, no Expresso e na Visão. Uma carreira feita essencialmente no estrangeiro por opção e por falta de oportunidades. “Este projeto foi a exceção do crowdfunding, porque os outros projetos jornalísticos são mais específicos”.