O primeiro dia da primavera é a 1 de março em alguns países. No Leste da Europa e nos Balcãs, várias populações recebem a primavera com um fio branco e um vermelho. A ideia é começar um período de esperança, otimismo e prosperidade.

Os países onde se usam estes objetos, de maneira mais ou menos semelhante, são a Bulgária, Grécia, Macedónia, Moldávia e Roménia. A palavra romena para o amuleto é “Mărțișor”.

Gabriela é romena de origem e é casada com um português. Vive em Portugal há nove anos, mas não se esquece das tradições e da cultura em que cresceu.

“Mărțișor” foi, para Gabriela, desde pequena “a primeira celebração da feminilidade”. Este é um símbolo de março – é, aliás, um diminutivo da palavra março – que traz consigo, na crença destas culturas, a boa sorte, a saúde ou a riqueza.

No dia 1 de março, as pessoas oferecem os lacinhos, feitos de um fio branco e outro vermelho, para demonstrar o seu apreço e o desejo de uma boa primavera. Em algumas zonas, estes símbolos são especialmente dedicados às meninas e mulheres.

“No dia 1 de março era tratada como uma mulher e na verdade eu também sentia o Dia da Mulher por receber um “mărțișor” do meu pai”, conta Gabriela ao JPN. Aprendia poemas na escola e também associava a tradição aos “ghiocei”, flores primaveris típicas da Roménia e da Moldávia. A romena conclui que havia toda uma cultura à volta dos dias de 1 e 8 de março. Esta tradição estava enraizada na família e na escola.

O “mărțișor” usa-se no pulso ou ao peito e pendura-se numa árvore em flor.

O “mărțișor” usa-se no pulso ou ao peito e pendura-se numa árvore em flor. Foto: Andrew d’Entremont / Flickr

Manter as raízes na distância

Gabriela sentia saudades de casa e das tradições de berço, quando percebeu que não havia nada parecido em Portugal. No início teve a impressão de que a tradição já não era importante, mesmo para os imigrantes, mas quando tomou a iniciativa de trazer este objeto para cá sentiu-se orgulhosa.

No início, começou por encomendar estes objetos a partir da Roménia e encomendava para cada vez mais amigos. Há quatro anos, criou a página de facebook “Martisor in Portugalia” para partilhar estas prendas com pessoas de fora de Lisboa. Atualmente, o “mărțișor” é mais comercializado, encontra-se com maior facilidade nos estabelecimentos comerciais dedicados aos produtos de origem romena.

Gabriela conta ao JPN que já conseguiu transmitir esta tradição à filha e ao marido. Afirma ter amigos portugueses que gostam e já esperam receber este pequeno presente, a 1 de março.

A agora lisboeta diz que o propósito da tradição passa com sucesso para outros povos, e nomeadamente para os portugueses, quando se explica a importância da primavera “num país onde o Inverno é duro”, sendo o “mărțișor” o símbolo da primavera.

Em Cascais, há uma associação de imigrantes que pretende manter a cultura viva e “faz todos os possíveis” para não deixar cair as tradições. O Centro Cultural Moldavo organiza anualmente um festival, ao jeito dos que acontecem um pouco por toda a Moldávia, em celebração da chegada da primavera.

Celebração do renascer da natureza

Gabriela Salgado conhece também búlgaros que procuram um “mărțișor” e tem conhecimento que em cada região onde esta tradição tem lugar pode haver uma interpretação diferente das cores, do símbolo e da lenda.

Os hábitos diferem, mas os fios andam sempre com as pessoas, para garantir sorte ou riqueza. Os fios podem ser levados ao peito ou no pulso. Em algumas regiões, usam-se durante todo o mês. Noutras, usam-se por duas semanas e a seguir penduram-se numa árvore.

As histórias ligadas a esta tradição são, também, diversas. De uma maneira geral, o branco representa a neve que cai no inverno nestes países, mas de forma figurada a brancura é prosperidade. O vermelho é associado ao amor e paixão, mas as lendas da tradição remetem para o sangue na batalha entre o bem e o mal.

A batalha, conta uma das lendas, foi travada durante um inverno rigoroso, entre um dragão que raptou o Sol e um herói que quis salvá-lo. O Sol foi salvo e a primavera começou. O herói morreu e deixou manchas de sangue na neve. Nesse lugar, nasceram também pequenas flores de primavera, “ghiocei”, outro símbolo desta estação.

"Ghiocei" representam o final do inverno e começo da primavera

“Ghiocei” representam o final do inverno e começo da primavera. Foto: Nicu Buculei / Flickr

Em resumo, o dia 1 de março é muito aguardado, por representar a chegada da primavera e o triunfo sobre os invernos rigorosos e brancos. Em março de 2014, a Roménia, Moldávia, Bulgária e Macedónia entregaram um dossier multinacional sobre práticas culturais no dia 1 de março à UNESCO para integração destas tradições no património cultural imaterial da humanidade.