O que começou por ser uma mera conversa entre quatro colegas investigadores e geógrafos deu origem a um estudo de dez anos sobre a história da Airbnb no Porto e, posteriormente, à criação de um livro sobre a plataforma de alojamento na cidade.

Daí surgiu “O Porto e o Airbnb”, resultante de um interesse comum de Pedro Chamusca, José Rio Fernandes, Thiago Mendes e Luís Carvalho na transformação que o Porto teve (e tem) como destino turístico mundialmente conhecido. A obra, que combina estatísticas e experiências de portuenses, aborda a história da plataforma de alojamento temporário que começou do nada, mas que, atualmente, tem mais de cinco milhões de anúncios publicados.

Para falar sobre a génese da Airbnb, precisamos de recuar ao ano de 2007 quando dois jovens americanos decidiram colocar colchões de ar no seu apartamento e receber hóspedes com pequeno almoço incluído. O objetivo era ganhar algum dinheiro extra. Mas muito mudou desde que a plataforma chegou ao Porto há dez anos.

Através do site Airdna, é possível verificar que, dos quase sete mil anúncios de Airbnb que estão ativos no Porto, mais de 80% correspondem a habitações inteiras e que 72% dos anfitriões são profissionais, isto é, têm mais que um anúncio na plataforma. Em contrapartida, apenas 66 anúncios correspondem a quarto partilhado, ou seja, muito longe do modelo de negócio inicial dos fundadores da plataforma.

Ao JPN, Pedro Chamusca, um dos coautores do livro, explica que no Porto existem “cada vez mais anfitriões profissionais que alugam a casa toda” e que “quase mil propriedades são detidas por apenas 30 pessoas”, pelo que utilizar a plataforma profissionalmente tornou-se “muito rentável”.

Mais turistas que tripeiros

O investigador do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) não nega, no entanto, os impactos positivos da plataforma de alojamento temporário, mas alerta que, “se toda a oferta hoteleira estiver na sua máxima capacidade, em algumas freguesias do Porto existem mais turistas a dormir do que residentes”.

Santo Ildefonso, por exemplo, concentra um quarto de todos os anúncios do concelho do Porto. No total, são mais de 1.700 só naquela área e quase 90% correspondem a habitações integrais. O geógrafo confessa que vê a Invicta “a ficar um buraco, com a população e as atividades a deslocarem-se” para a periferia.

Para Pedro Chamusca, a plataforma acaba por ser responsável pelo “aumento das rendas” e, consequentemente, pelos “vários despejos, que levam a que muitos dos residentes do Porto tenham de se deslocar para casas camarárias ou, até mesmo, para localizações fora do centro do Porto”, afirma.

É o caso da “Dona Maria”, residente da rua de Trás, que aguarda uma ordem de despejo. Já com alguma idade, vive sozinha “numa casa pequena e com poucas condições”, descreve, e passa o dia a ver televisão, enquanto mantém a porta aberta para vender água aos turistas que passam. Na casa ao lado, onde a filha vivia antes de casar, instalou-se um Airbnb. Ao longo dos anos, “foi perdendo os vizinhos e o que vai tendo é de falar com os turistas, enquanto aguarda a data em que vai sair definitivamente da sua casa”, conta.

Esta história, integrada na obra dos quatro geógrafos, “representa aquilo que tem sido a saída dos residentes, cada vez mais intensa”, bem como a “impotência perante esta lei do mercado”, diz o investigador.

Quais as soluções?

Para o geógrafo do CEGOT, a fama mundial do Porto enquanto destino turístico é uma moda, mas “ainda está para durar alguns anos”. Por isso, apela a “algum tipo de regulação que faça com que todos compreendam que a atividade turística está a crescer” e que não ponha em causa “a vida dos residentes na cidade e no centro histórico”.

Pedro Chamusca sugere mesmo que se coloquem restrições, à semelhança do que já se faz na capital e em outras cidades europeias, como, por exemplo, limites “do número de noites que cada proprietário pode colocar disponível” ou canalização de algumas das verbas resultantes das taxas turísticas para “um apoio social à população mais idosa ou com menos rendimentos e que são obrigados a sair das suas casas”, finaliza.

Artigo editado por César Castro